top of page

O mundo em 2024: A nova fase da crise estrutural do capital



A crise estrutural do capital adquiriu um patamar elevado com a convergência de crises – o que analistas denominam “policrise”. É curioso que o termo "policrise" foi utilizado pela primeira vez na década de 1990 pelo teórico francês Edgar Morin. Mas ninguém deu muita atenção a ele. No entanto, o termo “policrise” ganhou destaque quando o ex-presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, usou o termo em 2016 para descrever uma série de desafios interligados que a União Europeia enfrentava em 2016. Esses desafios naquela época, incluíam a crise européia e o desemprego, a saída do Reino Unido da União Europeia (o chamado Brexit), as divergências sobre os refugiados e o crescente terrorismo. Durante a pandemia de COVID-19, Edgar Morin reativou o termo, sugerindo que estaríamos vivendo uma série de crises ao mesmo tempo – dessa vez o termo criado por Morin foi levado a sério.


Diz Morin que a "policrise" ou "megacrise" se estende do existencial ao político, passando pela economia, do individual ao planetário, passando pelas famílias, regiões, Estados. Entretanto, “policrise” é um termo impressionista que diz respeito à aparência do sistema – a rigor, não existe uma “policrise”, mas sim uma “megacrise” ou melhor, a crise estrutural do capital.


A crise estrutural do capital não começou na década de 1990 ou em 2016 ou mesmo 2020, mas sim há pouco mais de meio-século: desde fins da década de 1960, o sistema global do capital vive altos e baixos de turbulência global, reestruturação capitalista, guerras, lutas de libertação nacional, crises financeiras, profunda insatisfação social e instabilidade politica – e nas últimas décadas, o esvaziamento da democracia liberal e a ascensão da extrema-direita, crise ecológica e pandemia.


Por crise estrutural do capital entendemos a crise de um modo de controle do metabolismo social fundado na exploração do trabalho vivo e na acumulação da riqueza abstrata que efetivamente tornou-se insustentável (o que expõe a função ideológica da ação da ONU pelo desenvolvimento sustentável de um sistema insustentável - isto é, as instituições decrépitas do sistema do capital ocultam a sua crise estrutural.


Na primeira postagem do blog Crítica do Capital feita em 2023, ressaltamos que a perspectiva do Ano Novo era de guerra, pandemia e recessão - o título da postagem. O que indicamos naquela época como guerra, era a continuidade da guerra na Ucrânia iniciada em 2022. O que indicamos como pandemia, era a continuidade da circulação global das variantes do novo coronavirus (covid-19). O que indicamos como recessão era a desaceleração das principais economias capitalistas (EUA, União Européia e Japão).


De certo modo, nossas previsões para o Ano Novo de 2023 cumpriram-se. O ano passado foi um ano de pandemia, guerra e recessão de algumas economias do capitalismo central.


E o mundo em 2024 ?


Novamente, arriscamos em prever: pandemia, guerra e recessão. Isto é, crise sanitária, instabilidade politica e conflito bélicos e desaceleração econômica e recessão.

  1. Pandemia

No final de 2023, ultrapassamos a marca de 7 milhões para o número de óbitos por Covid-19 relatadas à OMS - 7.010.586 mortes para ser exato. Entretanto, o número real de mortes é maior, com estimativas de mais de 3 vezes mais mortes em todo o mundo (cerca de 21 milhões de óbitos).


Em 5 de maio de 2023, a OMS - pressionada pelos EUA - decretou o fim da Emergência de Saúde Pública de importância internacional (Joe Biden em 18/09/2022 tinha declarado o fim da oandemia).


Mas - como sempre - as declarações da OMS são ambiguas devido às pressões politicas que sofre. Declara o fim da Emergencia Sanitária, mas observa que - diz o Informa da OMS: "O fim da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional não significa que a COVID-19 tenha deixado de ser uma ameaça à saúde. A propagação mundial da doença continua caracterizada como uma pandemia, tendo tirado uma vida a cada três minutos apenas na semana passada", diz o Informa de 5 de maio do ano passado.


Assim, em 2024 entraremos no 5º ano de pandemia e certamente estamos numa fase diferente. Esta fase é marcada por um vírus em evolução (com as sub-linhagens XBB e BA.2 circulando e JN.1 tornando-se dominante). É marcado por um impacto reduzido em comparação com o pico do Covid-19 há alguns anos, mas ainda é uma ameaça à saúde global e ainda é uma pandemia que causa demasiadas (re)infecções, hospitalizações, mortes e Covid Longa. Temos estatisticas - precárias - para os óbitos de covid-19, mas a situação é pior com os casos de Covid Longa. As infecções e re-infecções tem debilitado a saúde e a qualidade de vida das pessoas. Não existem estatitsicas para isso.


Existem ferramentas sanitárias para nos prevenir - vacinas (atualizadas), máscaras N95, filtragem do ar, evitar grandes aglomerações, etc. Entretanto, governos e sociedades se recusam a isso. Além da Covid-19 temos a co-circulação de muitos outros patógenos, por exemplo, gripe, micoplasma, RSV, etc. Os casos e hospitalizações por Covid-19 têm aumentado há meses. Os hospitais em muitos países estão sobrecarregados com a COVID e outros agentes patogénicos, e as mortes estão a aumentar. Por exemplo, no Gráfico abaixo, de 13 de janeiro de 2024, a situação da pandemia da covid-19 na Itália nas primeiras semanas do ano. Não é muito diferente em muitos países do planeta.



Mas  - como salientamos em postagens do ano passado – a crise sanitária esta sendo ocultada por uma completa desinformação midiática com a conivência dos governos e inclusive das sociedades (as pessoas desejam a "normalidade social"). A força da ideologia, impõe – de imediato – a percepção da "normalidade"


Por exemplo, um infectologista observou que a população perdeu a percepção do risco da covid-19. Mas fica a questão: quem produziu a "perda da percepção de rsico" da pandemia? Governos e mídia são responsáveis por isso. Face a crise estrutural do capital, a ideologia dominante investe muito na percepção da "normalidade" como recurso de dominação cultural. Isto é, dizem: o mundo é como sempre foi e o futuro é a mera continuidade do passado. Isso é muito forte no Brasil e no mundo.


2. Recessão


Em 2023 as economias centrais – EUA, União Européia e Japão - não sofreram uma recessão generalizada: os EUA cresceram pouco – mas cresceram; o Japão continuou estagnado, mas não entrou em recessão; e alguns países da União Européia entraram em recessão (efeito-rebote da guerra na Ucrânia). Mas as perspectivas das economias em 2024 são incertas tendo em vista a situação global: instabilidade geopolitica, riscos das politica monetária do Federal Reserve Bank nos EUA (por exemplo, a retomada do aumento de juros é um risco tendo em vista a situação de endividamento das familias e empresas no mundo), etc. Como destacou o The Economist: "Não conte com um pouso suave para a economia global em 2024".


A economia global deve continuar se rastejando em 2024 - á beira do abismo. Isto ocorre pelo menos desde a crise de 2008. Com altos e baixos, as economias centrais não conseguem ter um crescimento duradouro e sustentável do PIB e mesmo quando as economias crescem, isso não se traduz em bem-estar social.


A capacidade de redistribuição de riqueza nas democracias ocidentais se reduziu bastante com o capitalismo neoliberal. Por isso, aumentou-se a concentração de renda e a desigualdade social.


3. Guerras (e Eleições)


Em 2023, comentamos a guerra na Ucrania (a guerra da OTAN contra a Rússia). Previmos a continuidade do conflito bélico. O objetivo é desgastar a Federação Russa. Mas não conseguiu e não vai conseguir. Pelo contrário, a OTAN recusa-se a admitir que perdeu a guerra e recusa-se a fazer um Acordo de Paz - é improvável que o faça em 2024.


Mas no ano de 2024, temos mais guerras com que nos preocupar: prolonga-se a guerra no Oriente Médio do Estado sionista de Israel contra o povo palestino na Faixa de Gaza (uma situação de conflito bélico muito perigosa que pode tornar-se uma guerra regional envolvendo o Líbano e Irã). É improvavel que o conflito bélico prossiga por muito tempo, mas não existem perspectivas de acordo de Paz - pelo contrário, existem riscos de escalada do conflito bélico.


Mas 2024 é também um ano de eleições – o maior ano eleitoral da história - num cenário de crise sanitária, conflitos bélicos e insatisfação social pelo mundo!


Estão programadas 40 eleições nacionais , cujos efeitos abrangerão 41% da população mundial, em países que representam 42% do PIB global. 


Ao mesmo tempo, nunca houve tantos conflitos bélicos no mundo desde a Segunda Guerra Mundial (em 1939-1945) !


Vejam abaixo os dados do Programa de dados de conflito de Uppsala (Suécia) do Departamento de Pesquisa sobre Paz e Conflitos. Pelo gráfico abaixo percebe-se que desde 2018, tem crescido todos os tipos de conflitos bélicos no mundo. Isto é a demonstração da nova etapa da crise estrutural do capital caracterizada pela crise do imperialismo no rastro da longa depressão da economia capitalista desde a década de 2010.




Foi por isso que o jornal Financial Times saiu com a seguinte manchete em 13/01/2024: "Ocidente e indústria precisam se adaptar à nova era de guerras" e complementou: "Despesas militares mundiais atingiram o recorde de US$ 2,2 trilhões em 2022; investidores embarcaram nesse movimento". Na verdade, a nova era de guerras é a expressão da crise geral do imperialismo.


A Arte de Administrar a Catástrofe

  

Temos utilizado a palavra catástrofe para caracterizar a crise do capitalismo global. “Catástrofe” significa em grego, katastrophe, “fim súbito, virada de expectativas”: kata-, “para baixo”, mais strophein, “virar”.


Mas uma situação catastrófica não é uma situação explosiva – pelo contrário. Pode ser um processo catástrofico, um movimento processual e alongado no espaço-tempo de colapso do sistema, levando anos, décadas e até séculos (por exemplo, a longa crise do feudalismo durou séculos no Ocidente europeu - em torno do século XIV ao século XVI).


Mas o capitalismo manipulatório é hábil em administrar a catástrofe. Pandemias e guerras (e o colapso ambiental) podem ser administradas - no que diz respeito, por exemplo, aos impactos na opinião pública. Embora não estarmos lidando com processos explosivos, podem ocorrer ali e acolá explosões. O sistema global do capital é complexo. Na medida em que a interconexão e interdependencia das partes do sistema global aumentaram nas últimas décadas, alargaram-se irremediavelmente as margens de contingencia e acasos que afetam a dinâmica do sistema.


O conceito de crise estrutural do capital – um conceito de István Mészáros -  remete-nos historicamente ao final da década de 1960. Portanto, estamos diante de uma crise de longa duração, por isso estrutural; uma crise de acúmulo de contradições que opera  num diapasão espaço-temporal lento e alargado, quase inercial. Apesar dos movimentos diruptivos, persiste a dinãmica processual qualitativamente diferente das A crise estrutural é qualitativamente diferente das crises cíclicas – que são muitas (discutimos isso noutra postagem).


Na longa temporalidade histórica da crise estrutural do capital, articula-se de modo desigual e combinado "centro" e "periferia" do sistema. As etapas diferenciadas da processualidade histórica expõem acomodações e deslocamentos similares a um terreno em declive, que desliza devagar sob o peso das contradições históricas que se avolumam.


Os problemas do sistema global se arrastam e multiplicam-se desde a crise financeira global de 2008. Eis - portanto - um importante marco histórico: a profunda crise do capitalismo global encerrou a etapa de euforia delirante da globalização neoliberal – desde 2008, o capitalismo neoliberal nunca mais foi o mesmo.  


Por isso, o conceito de capitalismo da hipnose social . Ao dizermos "capitalismo manipulatório" ressaltamos que o sistema desenvolveu uma expertise nunca antes vista de administrar - politico e ideologicamente - o conjunto de crises sistêmicas. Com a crise estrutural o sistema aperfeiçoou a Arte de Administrar a Catástrofe.


Um dos modos de administrar crises, é deslocando-as (a negação ou o diversionismo é um dos modos de deslocar – mentalmente - as crises). Mas mesmo deslocados, eles não deixam de existir. Altera-se apenas o movimento delas – a crise alonga-se. Na medida em que surgem pontos de fratura no sistema, oculta-se ou manipula-se fatos que possam comprometer a percepção de viabilidade da Ordem.


O elemento de psicologia social das massas não pode ser desprezado na era da barbárie social. É mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo, como disse Mark Fisher. Mas o pior é que - caso houvesse o "fim do mundo" - as pessoas iriam “normalizar” isso. Eis o efeito do “capitalismo manipulatório” que opera o sociometabolismo da barbárie.


O Império da Contingencia


Eleições, guerras e doenças são determinações da ordem da contingencia que – queiramos ou não – afetam o movimento do sistema. A dialética nos diz que o aumento da quantidade provoca saltos de qualidade no movimento das coisas. Na atual fase da crise estrutural do capital observamos o aumento de quantidade nas determinações de contingência que provavelmente devem operar – no desenvolvimento do sistema – saltos qualitativamente novos – não necessariamente explosivos ou “rupturais”.  


A nova etapa da crise estrutural do capital que vivemos em 2024, é diferente daquela de fins da década de 1960 quando teve início a era de decadência histórica do sistema. Diferentemente daquela época, não temos hoje nos países capitalistas centrais, por exemplo, conflagrações sociais como as lutas operárias e luta de classes que se prolongaram até meados da década de 1970.


Tendo em vista, por um lado, o Grande Transformismo político-ideológico (e cultural) da velha esquerda – desde a década de 1980 - e, por outro lado, o sociometabolismo da barbárie, partidos de esquerda do passado (os “intelectuais orgânicos” das classes subalternas) e sindicatos de classe, foram totalmente desarmados da luta de classe (as pautas identitaristas colocaram a "pá-de-cal" dentro da cova da velha esquerda socialista, hoje neoliberal).


Enfim, o neoliberalismo fez a sua parte na dessubjetivação de classe e a ex-esquerda socialista vive hoje um profundo “sono ideológico”.


Entretanto, as contradições do sistema se avolumam, reverberando-se na crise da democracia liberal incapaz de dar respostas às inquietações sociais).


As Transições históricas de estrutura


Existem movimentos de estrutura do sistema que não podemos desprezar. Eles compõem as determinações de fundo (e de frente) da crise estrutural do capital. Tais determinações estruturais se articulam com as determinações de contingencia do sistema que salientamos acima.


Por exemplo, a transição geopolítica do hegemon global que opõe EUA versus China. Trata-se do mais importante movimento de estrutura do sistema do capital. Ele deve percorrer o século XXI.


A transição geopolítica da dominação global do capital, o protagonismo geoeconômico ascendente da Eurásia,  abre um complexo de conflitos bélicos - ideados pelo imperialismo - que visa desestabilizar o projeto civilizatório da China (Prosperidade Comum) e a Nova Rota da Seda. Não é a toa que 2024 deve ser o ano da maior quantidade de conflitos bélicos do mundo. A decadência do imperialismo dos EUA deve fazer surgir uma época de conflitos bélicos pelo mundo – dentro e fora de cada país do mercado mundial.

  

Outra determinação de fundo que deve compor o patamar superior da crise estrutural do capital é a transição climática por conta do aquecimento global.


O colapso ambiental, produto da fratura metabólica aberta pelo modo de produção capitalista desde o século XVIII – pelo menos – deve compor o novo cenário da civilização (e barbárie social) no interior da qual se desenvolve a luta de classes – do mesmo modo, com as velhas e novas ameaças patogênicas que devem surgir nos próximos anos e décadas – quiça, uma nova pandemia (a transição epidemiológica).


Além da transição geopolítica, transição climática e transição epidemiológica, temos a transição demográfica: a humanidade envelhece a passos largos no século XXI, afetando deste modo, o metabolismo social e a dinâmica reprodutiva das sociedades humanas no mundo.


Finalmente, é importante destacar outra determinação diruptiva: a transição  tecnológica por conta da Inteligência Artificial ( e a dita Indústria 4.0) e seus impactos no mundo social do trabalho - fora os impactos na estrutura da composição orgânica do capital cujo aumento pressiona a queda da taxa de lucro do sistema.


As transições históricas indicadas acima tratam de novos condicionantes da evolução social dos humanos no século XXI a partir do qual seremos obrigados a dar saltos de civilização (ou de destruição social). Tais transições históricas de estrutura da produção e reprodução social tornam-se um complexo de determinações que se auto-alimentam e auto-reproduzem gerando situações emergencias de novo tipo. A interdependência (e a interconexão) das determinações criam um novo todo social que não se reduz a soma das partes.


Assim,  é fundamental – e com isso concluímos nossas “previsões” – que observemos o que acontece com o mundo social do trabalho  e os impactos profundos da nova precariedade salarial (o que se verifica há pelo menos 20 anos).


É fundamental percebermos as mudanças de fundo da objetividade e subjetividade do mundo social do trabalho vivo. O movimento das transições hstóricas de estrutura acima atingem em cheio a subjetividade e objetividade do mundo do trabalho. O capital tende a ocultar tais determinações sociais, fetichizando relações e processos novos que se impõem no seio da classe do trabalho vivo.


O mundo de trabalho não se reduz ao mercado de trabalho.


Alguns analistas falam em queda do desemprego e do emprego informal. Mas oculta-se o mundo real das pessoas que trabalham. A alienação, o estranhamento e o irracionalismo tendem a se aprofundar. Existem processos sociometabólicos de fundo que estão alterando as relações sociais e o processo de subjetivação social – um deles é a exacerbada manipulação sistêmica por conta das redes socais e da nova base tecnológica de produção e reprodução social do sistema.


Enfim, a “captura” e a manipulação da subjetividade das pessoas que trabalham produziu mudanças sociometabólicas que devem ser investigadas na perspectiva da recomposição necessária da classe e da luta de classes sob pena do aprofundamento da barbárie social.


Na falta do agente histórico de classe, alonga-se a temporalidade e a problematicidade de forma quase-inercial. A dita “policrise” é - portanto - só a aparência de uma realidade histórica complexa de fundo que indica o aprofundamento da crise estrutural do capital – não como crise cíclica, mas como crise estrutural que indica a finitude do sistema. 2024 será mais um elo temporal da longa Grande Noite da civilização do capital.


É claro que poucos analistas se detêm neste diapasão de análise, isto é, a perspectiva da crise estrutural do sistema e sua irresolubilidade. Discutem apenas o elo mais próxima da cadeia de eventos, detendo-se na dimensão cíclica da crise (capitalista). Incorporam a tarefa politica (e intelectual) de idealizar saídas para a crise mantendo-se os parametros estruturais do sistema. A maioria – quase todos – trabalham no horizonte do capitalismo. Nada existe para além do capital. Iimersos no presente imediato, rendem-se à administração da Ordem, aceitando apenas a manipulação pragmática de variáveis visando deslocar (ou ocultar) a dimensão da crise (estrutural), iludindo os agentes sociais com a sustentabilidade de um sistema social que nada promete em termos de projeto de civilização.


--------------------------------------------------------------

 

Concluímos a primeira postagem de 2024 com a longa citação de uma das passagens mais importantes de Karl Marx, um verdadeiro projeto de crítica do mundo do capital - que oportunamente vamos esmiuçar numa de nossas postagens. Mesmo tendo sido escritas há 165 anos, ela mantém de forma impressionante, a sua atualidade histórica:

 

“De formas de desenvolvimento das forças produtivas, estas relações – as relações capitalistas de propriedade - transformam-se no seu entrave. Surge então uma época de revolução social. A transformação da base econômica altera, mais ou menos rapidamente, toda a imensa superestrutura. Ao considerar tais alterações é necessário sempre distinguir entre a alteração material que se pode comprovar de maneira cientificamente rigorosa das condições econômicas de produção, e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em resumo, as formas ideológicas pelas quais os homens tomam consciência deste conflito, levando-o às suas últimas consequências. Assim como não se julga um indivíduo pela idéia que ele faz de si próprio, não se poderá julgar uma tal época de transformação pela mesma consciência de si; é preciso, pelo contrário, explicar esta consciência pelas contradições da vida material, pelo conflito que existe entre as forças produtivas sociais e as relações de produção. Uma organização social nunca desaparece antes que se desenvolvam todas as forças produtivas que ela é capaz de conter; nunca relações de produção novas e superiores se lhe substituem antes que as condições materiais de existência destas relações se produzam no próprio seio da velha sociedade. É por isso que a humanidade só levanta os problemas que é capaz de resolver e assim, numa observação atenta, descobrir-se-á que o próprio problema só surgiu quando as condições materiais parа o resolver já existiam ou estavam, pelo menos, em vias de aparecer. Em um caráter amplo, os modos de produção asiático, antigo, feudal e burguês moderno podem ser qualificados como épocas progressivas da formação econômica da sociedade. As relações de produção burguesas são a última forma contraditória do processo de produção social, contraditória não no sentido de uma contradição individual, mas de uma contradição que nasce das condições de existência social dos indivíduos. No entanto, as forças produtivas que se desenvolvem no seio da sociedade burguesa, criam ao mesmo tempo as condições materiais para resolver esta contradição. Com esta organização social termina assim, a Pré-História da sociedade humana.” [Os grifos são nossos]

 

KarlMarx, Prefácio da “Contribuição à Crítica da Economia Política” (janeiro de 1859).

bottom of page