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A fratura metabólica do capital (1)


A mudança climática extrema que presenciamos hoje foi produzida pela ação humana: a emissão dos gases dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (N2O) liberados na atmosfera retêm o calor do sol criando o que chamamos de "efeito estufa" aumentando a temperatura do planeta. O resultado é o aquecimento global. A temperatura do planeja está - pelo menos - cerca de 1,1 °C a mais do que no final do século XIX.


O que chama a atenção é a velocidade da mudança climática. O que demonstra nossa incapacidade de entendermos fenômenos complexos. Pelo menos desde a década de 1990, cientistas tem dado o alerta da catástrofe climática. Mas só hoje – pelo menos trinta anos depois - os eventos climáticos e meteorológicos extremos tais como as ondas de calor extremos, tempestades e inundações, tornaram-se mais frequentes, ameaçando as populações vulneráveis do Planeta.


O que se oculta é que a mudança climática decorrente do aquecimento global é resultado da ação do modo de produção capitalista de caráter fossilista, sobre a natureza. Não é a mera ação humana inscrita na nomenclatura "Antropoceno", mas a ação de um modo histórico de produção (e destruição) social: o capitalismo (Jason W. Moore criticou a pobreza da nossa nomenclatura no livro organizado por ele, Antropoceno ou capitaloceno? Natureza, história e a crise do capitalismo, publicação original de 2016).


Apesar das denúncias feitas há décadas contra a pilhagem ambiental, pouco se fez por conta da força do capital enquanto sistema de controle estranhado do metabolismo social.

Foram muitos os estudos que denunciam há pelo menos trinta anos, a pilhagem ambiental do Planeta pelo capital.


Por exemplo, em 1992, Elmar Altvater publicou o livro “O Preço da Riqueza: Pilhagem ambiental e a nova (des)ordem mundial”. Era o início da era da globalização neoliberal (ou a nova desordem mundial) com o impulso de desenvolvimento do modelo fordista fossilista no Sul Global. Trinta anos depois verificamos de modo explicito o resultado: a destruição do clima do Planeta.


O capital enquanto força inercial de destruição do metabolismo do homem com a Natureza demonstrou seu poder de permanência histórica. Podemos dizer que a "nova ordem" sob a dominância do imperialismo do Ocidente neoliberal que se afirmou a partir de 1990, contribuiu efetivamente para o aprofundamento da fratura metabólica do homem com a Natureza.


Mas, o que significa o conceito de fratura metabólica do capital ?


Iremos elaborar nestas postagens, o conceito de fratura metabólica do capital, utilizando-o como chave teórico-explicativa da crise humana que vivemos hoje. Reconheceos que ele é um conceito interessante, mas que merece ser ampliado para entendermos efetivamente a dimensão da crise do humano.


Ao lado do conceito de “crise estrutural do capital”, o conceito de "fratura metabólica" explica as mudanças metabólicas que afligem os humanos no começo do século XXI. Assim, fratura metabólica e crise estrutural do capital são conceitos reflexivos que explicam a necessidade do socialismo ou do controle social dos produtores sob pena de extinção dos humanos tal como nós o conhecemos.


Iremos nos deter em explicar o conceito de fratura metabólica do capital, ampliando-o para além do colapso ambiental. Partimos da catastrofe ecológica, mas queremos ir além dela.


A crise estrutural do capital expõe a fratura metabólica que o capital produziu na relação do homem com a Natureza. Portanto, são conceitos convergentes, conexos e interdependentes para explicar a crise do humano e a necessidade do socialismo enquanto modo de controle social.


Pelo menos desde 2008 escrevo sobre a crise ecológica do capital relacionando-a com a crise estrutural do capital e o sociometabolismo da barbárie. Por exemplo, escrevi o ensaio "Crise estrutural do capital, barbárie social e catastrófe ecológica" (vide livro A condição de proletariedade: A precariedade do trabalho no capitalismo global, Editora Praxis, 2009). De certo modo, naquela época procurei apreender de forma ampliada - na perspectiva da totalidade social - a crise do humano, o que nesse caso, implicava ampliar a abordagem da fratura metabólica do capital. Percebia que existia uma interconexão entre a degradação ambiental e a degradação do metabolismo social pelo capital (logo iria publicar “Trabalho e subjetividade: o espírito do toyotismo na era do capitalismo manipulatório”). Na verdade, dediquei-me na década de 2010 a decifrar o significado de barbárie social vendo-a como sendo a degradação da natureza interna dos humanos.


Naquela época, tinha pelo menos a intenção - era preciso abordar de forma conjunta, de tais processos históricos conexos relacionados à forma social que conduz a humanidade (a forma-capital): catastrófe ecológica e barbárie social.

Na verdade, colapso ambiental e sociometabolismo da barbárie são os lados verso e anverso da crise estrutural do capital. São determinações reflexas produzidas pela senilidade histórica da relação-capital. O colapso ambiental enquanto manifestação explicita da fratura metabólica é o anverso do sociometabolismo da barbárie.


Enquanto o colapso ambiental diz respeito à devastação da natureza externa do homem e o sociometabolismo da barbárie diz respeito à devastação da natureza interna do homem.

Partimos do princípio que o modo de produção capitalista se caracteriza historicamente por devastar a Natureza, sendo isto próprio da forma-capital. É o que verificamos com os processos de modernização do capital que ocorrem no Planeta - pelo menos desde o século XIX. Assim, utilizamos o conceito de Natureza (com “n” maiúscula) distinguindo a natureza externa e natureza interna - é o que veremos mais adiante. Os processos de devastação da Natureza conduziram à crise humana tal como se manifesta no começo do século XXI. Portanto, colapso ambiental e sociometabolismo da barbárie são expressões da fratura metabólica produzida pelo capital na relação homem x Natureza.


A partir da década de 1990, impulsionou-se o movimento do ecossocialismo com vários autores discutindo a crise ecológica. Mas poucos – ou nenhum – autores relacionavam catástrofe ecológica com o sociometabolismo da barbárie como expressões da devastação da Natureza pelo capital. Trata-se de devastações correlatadas que devem ser apreendidas de forma conjunta como sendo resultado do capitalismo na fase de crise estrutural do capital.


Importantes autores marxistas tratavam da crise ecológica como foi o caso de Elmar Altvater, James O´Connoer, Alain Bihr, Paul Burkett e depois John Bellamy Foster, entre outros. No Brasil, naquela época, poucos autores – entre eles, Michael Lowy – aderiram à crítica ecológica. Mais recentemente no Brasil, devemos destacar a publicação do livro de Luiz Marques em 2015, intitulada “Colapso ambiental e capitalismo” (cuja terceira edição é de 2018).


Na verdade, a crise ecológica tem sido tratada desde a decada de 1990, na perspectiva do particularismo do movimento ambientalista. Na verdade, a luta ambiental tornou-se uma ferramenta ideológica do imperialismo para anular a luta de classes, dividindo movimentos sociais no enfrentamento do capital. A visão particularista do ambientalismo - do mesmo modo que o feminismo - tornou-se útil para o capital, possibilitando a inclusão do meio-ambiente na pauta de manipulação do imperialismo.


Por exemplo, o causa ambiental é hoje um dos elementos da ideologia empresarial da ESG, sigla, em inglês, que significa environmental, social and governance, e corresponde às práticas ambientais, sociais e de governança de uma organização. O termo foi cunhado em 2004 em uma publicação do Pacto Global em parceria com o Banco Mundial, chamada Who Cares Wins. Os critérios ESG estão totalmente relacionados aos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), estabelecidos pelo Pacto Global, iniciativa mundial que envolve a ONU e várias entidades internacionais (o capital conseguiu do mesmo modo incluir na sua pauta de particuarismo ideológico identitário o movimento feminista e da diversidade sexual, o movimento negro e o movimento indigena).


O cinismo burguês faz da luta ecológica sua bandeira de manipulação midiática, ocultando a verdadeira causa da catástrofe ecológica que vive o Planeta: a fratura metabólica do capital. Não se trata de uma luta política acima das classes sociais. A catástrofe ecológica ou a devastação da Natureza é a maior prova histórica do caráter destrutivo do modo de produção capitalista. Não se combate a devastação da Natureza sem se combater o capitalismo. Não se combate a devastação da Natureza incentivando o capitalismo verde. Não existe capitalismo verde.


Na década de 2010, a discussão do ecossocialismo se expandiu entre marxistas ocidentais. O marxista japonês Kohei Saito fez um resgate interessante em 2017 do Marx ecológico, critico do metabolismo social do capital (vide o livro "O ecossocialismo de Karl Marx: Capitalismo, Natureza e a crítica inacabada à economia política", publicado originalmente em 2017).Saito resgatou o último Marx como sendo um pensador crítico do metabolismo social.


O marxista estadunidense John Bellamy Foster tem se destacado com uma produção prolifica sobre o tema da crise ecológica. Pelo menos desde seu artigo intitulado “Marx’s Theory of Metabolic Rift: Classical Foundations for Environmental Sociology”, publicado no American Journal of Sociology de setembro de 1999, Foster tem publicado vários livros sobre o tema, com destaque para o livro publicado no Brasil em 2005, “A ecologia de Marx: Materialismo e natureza” – a edição original é de 2000. Foi John Bellamy Foster que recuperou o conceito de fratura metabólica [metabolic rift] a partir da noção de Karl Marx sobre a “ruptura irreparável no processo interdependente do metabolismo social”. Esta noção marxiana está presente nos “Manuscritos económicos e filosóficos” sobre a relação dos humanos e a natureza. Mais tarde, o Marx maduro desenvolveu a noção de metabolismo, apresentando de maneira científica, o intercâmbio complexo e dinâmico entre os humanos e a natureza a partir do trabalho alienado. Diferenciando-se dos que atribuíram a Marx uma indiferença pela natureza, Foster encontra na teoria da fratura metabólica a evidência da perspectiva ecológica de Marx. A teoria da fratura metabólica para ele, permite desenvolver uma crítica da degradação ambiental que antecipou grande parte do pensamento ecológico atual, incluindo as questões de sustentabilidade.


Assim, a “fratura metabólica” do capital – isto é, o metabolic rift – é a desconexão ou o desequilíbrio da interação metabólica entre a humanidade e o resto da natureza derivada da produção capitalista e a crescente divisão entre a cidade e o campo.


O conceito de fratura metabólica salienta a contradição entre o capital e a Natureza (utilizamos Natureza com “n” maisculo). A fratura metabólica do capital explica a crise ecológica tal como a conhecemos. Ela é parte orgânica da metabolismo do capital tal como salientado por Marx.


Entretanto, a tese que defendemos nesta e nas próximas postagens é que a fratura metabólica diz respeito nâo apenas ao colapso ambiental, mas á devastação do sociometabolismo dos humanos. Isto implica, num primeiro momento, ampliar o conceito de Natureza e depois, ampliar do mesmo modo, o conceito de alienação. Enfim, a tragédia dos humanos na era do capitalismo senil pode ser maior do que imaginávamos. Pior do que a devastação da natureza externa, é a devastação da natureza interna ou o núcleo humano dos homens.


Na próxima postagem, trataremos do conceito multidimensional de alienação em Marx e da fundamentação do conceito de fratura metabólica em John Bellamy Foster. Foster e Brett Clark criou em 2020, o conceito de "fratura corporal" para entender uma nova dimensão da fratura metabólica do capital. Iremos fazer a crítica desta abordagem que consideramos parcial, pois a fratura metabólica não diz respeito apenas à fratura "ambiental" e à fratura do corpo, como ele sugere, à fratura da natureza externa (fratura ambiental) e a fratura da natureza interna, a fratura da subjetivdade - isto é, do corpo e da mente dos humanos (o que é o estranhamento tal como concebido pelo último Lukács).





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