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Imperialismo - Um conceito fundamental (e inconveniente)



“O imperialismo é a expressão de um sistema inviável e insustentável; Se a ideologia norte-americana de expansão do consumo fosse levada a sério pelos chineses e indianos, e se esses 2,4 bilhões de pessoas pudessem subitamente realizar o ”sonho americano" de ter seu próprio carro, o oxigênio do planeta acabaria em menos de 24 horas. As contradições do capitalismo são insolúveis e irreconciliáveis: esta é a grande atualidade de Marx e dos teóricos do período clássico do imperialismo. É por isso que a luta contra o capitalismo e o imperialismo hoje é simplesmente a luta pela sobrevivência da espécie. Nada mais e nada menos que isso."

ATÍLIO BORON, 2006


Esta citação de Atílio Boron no livro "La teoria marxista hoy" (de 2006) tornou-se mais do que nunca atual. A partir da década de 1990, a ideologia da globalização ocultou a necessidade da teoria do Imperialismo nas nossas reflexões críticas. A partir do fim da URSS em 1991, a ideologia do "fim do Estado-nação" ocultou a ofensiva hegemônica do Estado-nação imperialista supremo (os EUA-OTAN) pela Total Dominação do mundo. A teoria do imperialismo foi desprezada cada vez mais, no campo da esquerda progressista radical - inclusive marxista (por exemplo, Michael Hardt e Antonio Negri, "Império", lançado no ano de 2000 é expressão do triunfo da ideologia globalista ao conceber um mundo onde não existe um país imperialista, mas um Império sem pátria).

Não faltam pequenos detalhes de uma ocultação conveniente aos interesses do imperialismo estadunidense. Por exemplo, o "Dicionário de economia política marxista", organizado por Alfredo Saad e Ben Fine (de 2012), não existe o verbete "Imperialismo", embora tenha os verbetes "Cadeias globais de mercadorias" e "Cadeias globais de valor" ou ainda, "Teoria da Dependência". Diferentemente, o "Dicionário do Pensamento Marxista" organizado por Tom Bottomore (de 1983) constava o verbete "Imperialismo", escrito por John Weeks. De fato, a transição neoliberal (pós-moderna) para o capitalismo global - a fase superior do imperialismo estadunidense - significou para parte da intelectualidade socialista e comunista, uma rendição à ideologia globalista.


Parte do discurso acadêmico marxista a partir do fim da URSS e do protagonismo da ideologia da globalização, preferiu abandonar o conceito de Imperialismo como antiquado e arcaico. O livro "O Poder Global", de Richard J. Barnett e Ronald Muller (de 1976) é um exemplo: os autores focam apenas no poder das corporações industriais, como se a acumulação de capital ocorresse num mundo isento de poder político (e geopolítico) do Estado-nação hegemônico organizador da materialidade do capital. Dizem os autores: "Empresas globais operam em toda parte". Com a era do globalism, como diria Octávio Ianni, o termo "global" passou a ocultar as estratégias dos Estados nacionais, a formação política do capital fraturada por interesses dos imperialismos, etc. O último capítulo do livro 1 de "O Capital" foi intitulado "A Teoria Moderna da Colonização". Assim, uma Teoria Moderna do Imperialismo torna-se tão necessário quanto àquela Teoria Moderna da Colonização exposta por Marx. Enfim, não se pode entender o nascimento histórico do capitalismo como modo de produção deixando de lado o movimento do Estado político do capital (o hegemon) como operador histórico da dominação geopolítica e geoeconômica no sistema-mundo.

É estranho falar de "capitalismo de vigilância" (Shoshana Zuboff) ou "capitalismo de plataforma" (Nick Srnicek) sem discutir o poder do complexo militar-industrial e do Deep State dos EUA-OTAN na organização da hegemonia imperialista global do capital (via Big Techs e Wall Street). Não se pode falar em "Doutrina do Choque" (Naomi Klein) sem falar em Imperialismo. O "capitalismo do desastre" tem um nome: o "desastre do capitalismo" do imperialismo estadunidense e seu complexo militar-industrial (midiático-cultural-acadêmico). Enfim, o capital global tem nome e sobrenome.


A crítica do capital foi reduzida à crítica do capitalismo enquanto lógica da exploração e da acumulação de capital e, portanto, à crítica das empresas ou corporações e suas "cadeias globais de valor", deixando de lado, as questões do poder do Estado político, geopolítico e geoeconômico, o que implicaria discutir o poder dos EUA-OTAN, seu complexo militar-industrial e o “Estado profundo” (Deep State) do capital.


Um detalhe sintomático: a discussão acadêmica da esquerda norte-americana e européia sobre a guerra na Ucrânia é lastimável. Por exemplo, o relato que Michael Roberts faz do debate no Congresso da ASSA (American Economic Association) sobre a guerra da Ucrânia e sobre a Ucrânia é impressionante pela falta de rigor crítica e clareza sobre o que está em jogo no "tabuleiro" da geopolítica da guerra. Despreza-se as questões de fundo (e as contradições) das disputas geopolíticas e geoeconômicas entre EUA-OTAN e Rússia (e por conseguinte, China). A visão eurocêntrica atlanticista é flagrante. Mas isto não é um fato isolado. Basta ver o posicionamento de uma celebridade esquerdista européia como Slavov Zizek, glorificando o nazista Zelensky e deixando de fazer a crítica da estratégia dos EUA-OTAN. Muito conveniente (para ele).


Na verdade, o intelectual de esquerda europeu e norte-americano que criticar o imperialismo da EUA-OTAN e criticar o governo da Ucrânia será "cancelado" pelo establishment. Enfim, é conveniente a "demonização" de Vladimir Putin...

Mas num plano teórico-político mais elevado, o que queremos salientar é que discutir a teoria do Imperialismo incomoda - e muito. Mas sem tal conceito não poderemos entender as duas Guerras Mundiais do século XX e a ofensiva de guerra (militar, política, geopolítica, híbrida) do capital no século XXI.


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