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A dessubstancialização do capital no Brasil





"Dessubstancialização" é um conceito filosófico usado para descrever o processo pelo qual algo perde sua substância, essência ou características fundamentais, tornando-se mais vazio, superficial ou formalizado.


Em termos gerais, refere-se à retirada ou esvaziamento de conteúdo substancial de algo, seja um conceito, uma prática social ou um fenômeno.


Por exemplo, a desindustrialização representa o esvaziamento do conteúdo do trabalho capitalista, à medida que o trabalho produtivo é reduzido e o trabalho improdutivo, tanto dentro quanto fora da produção de capital, torna-se exacerbado.


Lembremos: a força de trabalho que gera mais-valor é a substância do capital. Quando ela se reduz – em termos relativos – o capital se desubstancializa.


A predominância do capital financeiro, especulativo e parasitário, é sintoma da dessubstancialização do capital.


O capital dessubstancializado é o capital sem substancia, isto é, o esvaziado de mais-valor por conta da redução - relativa - do trabalho produtivo.


O Estado neoliberal no Brasil tem como fração de classe dominante no bloco no poder a oligarquia financeira.


O Brasil neoliberal é o país da sociedade de serviços – em sua maior parte, improdutivos. Mesmo nos setores produtivos (indústria e serviços capitalistas de alta produtividade), devido à elevada composição orgânica do capital, a base do trabalho produtivo é bastante reduzida.


Uma das características do capitalismo terminal é a dessubstancialização do capital. Como consequência, podemos falar da "dessubstancialização da democracia", observada quando as práticas democráticas se tornam meramente formais, esvaziadas de participação real, transformando-se em um processo em que os cidadãos têm pouca ou nenhuma influência substancial nas decisões políticas.


Um capitalismo dessubstancializado é um capitalismo zumbi, um lumpencapitalismo que se sustenta pela financeirização da riqueza e pelo sociometabolismo da barbárie.


No contexto de dominância do Estado neoliberal, a taxa de lucro tende a cair de forma acentuada (no Brasil, essa taxa apresenta uma queda clara desde 1975, quando estava acima de 40% ao ano, estabilizando-se após 1995 em torno de 20% ao ano). Isso explica a redução do investimento privado e a ausência de investimento público, aprofundando a desindustrialização[1].


Diante da queda real da lucratividade, a fuga para a acumulação financeira e os lucros fictícios – incentivados pelos juros altos – torna-se o caminho natural. Mesmo empresas não financeiras obtêm resultados positivos por meio de movimentações não operacionais. Com uma taxa de lucro deprimida devido à dominância da acumulação financeira, a superexploração do trabalho tende a se intensificar ainda mais.


Essa nova morfologia do capital, consolidada pelo Estado neoliberal, fortalece as frações de classe que compõem a oligarquia financeira.


A industrialização, nas novas condições de desenvolvimento do capital, marcadas pela tendência de queda da taxa de lucro, exigiria um Estado com capacidade de intervenção – inclusive financeira – algo que o capitalismo brasileiro, a partir de 1980, tornou-se incapaz de oferecer.


Após alcançar o auge de seu desenvolvimento industrial, o Brasil experimentou, nas décadas seguintes, um declínio na taxa de lucro, o que reduziu os incentivos ao investimento e à acumulação de capital. A crise da dívida externa e a crise fiscal do Estado agravaram ainda mais o enfraquecimento do investimento produtivo. Sem uma intervenção estatal robusta, a contradição entre a queda da taxa de lucro e o aumento da produtividade do trabalho não pôde ser superada.


Nesses casos, a intervenção do Estado torna-se essencial, ampliando o investimento mesmo diante da queda da rentabilidade, como ocorreu na China e no Leste Asiático. O investimento estatal consegue – por exemplo - mitigar o impacto da queda da rentabilidade sobre o capital.


No entanto, nada disso ocorreu no Brasil, cuja opção política da burguesia foi aderir ao Consenso de Washington em 1990.


Na era da crise estrutural do capital, caracterizada pela queda da taxa de lucratividade, a forma do Estado faz toda a diferença. A escolha política pelo Estado neoliberal significou, para o Brasil, o aprofundamento irreversível da desindustrialização, em decorrência da mudança no perfil dos investimentos.


Gráfico 1

Evolução da Taxa de Lucro no Brasil




Fonte: José Luís Oreiro, “Taxa de Lucro, Acumulação de Capital e Crescimento Econômico: Comentários ao artigo de Adalmir Marquetti”.[2]

 

 

A queda da taxa de lucro e a falta de investimento público resultaram na diminuição do investimento produtivo, levando à desindustrialização precoce e acelerada.


Faltou ao Estado a capacidade de atuar como o locus primário, onde são concebidas e implementadas as estratégias e condições para a industrialização. Em vez disso, priorizou-se o mercado na alocação de recursos, com foco na maximização dos lucros, sem garantir o desenvolvimento nacional.


Pior ainda, adotaram-se políticas que incentivaram a financeirização como resposta à queda da taxa de lucro. O movimento que impulsiona a financeirização da riqueza capitalista é justamente a taxa de rentabilidade decrescente, característica do capitalismo global. Isso afeta diretamente a produtividade do capital.


Com o enfraquecimento do capital produtivo, surge, no plano da acumulação, a dominância do capital fictício. Esse fenômeno explica a hegemonia da fração da burguesia financeira no bloco de poder e, consequentemente, a materialidade política do Estado neoliberal.


Assim, diante da desindustrialização e da financeirização da riqueza capitalista em um país de capitalismo dependente, a superexploração do trabalho se intensificou como corolário do novo poder do capital – não apenas para compensar o aumento da transferência de mais-valor para o exterior, mas também para aumentar a taxa de exploração da força de trabalho, criando um lastro para a acumulação de capital fictício.


A redução relativa da massa de mais-valor, em função das transformações ocorridas com a desindustrialização, a transição para uma sociedade de serviços e a dependência financeira e tecnológica, somada ao aumento da transferência de mais-valor para o exterior, tornou necessário intensificar a extração do excedente com dois objetivos: (1) compensar a burguesia exportadora e (2) criar um lastro real para o capital fictício, beneficiando a oligarquia financeira.


A desindustrialização e o Estado neoliberal, a serviço do capital fictício, provocaram a dessubstancialização do capital no Brasil.


Com a redução das bases do trabalho que gera mais-valor – o trabalho industrial propriamente dito – diminuiu, em termos relativos, os produtores da substância do capital, ou seja, o contingente de força de trabalho produtiva, isto é, o trabalho que produz mais-valor.


Para compensar essa "dessubstancialização", a superexploração do trabalho foi aprofundada. 


Não foi apenas a desindustrialização acelerada que reduziu a massa de mais-valor, mas também a reestruturação produtiva dos blocos de capital produtivo ainda existentes. Impulsionados pela concorrência global, a abertura comercial deu um "choque de capitalismo", aumentando a produtividade do trabalho e, consequentemente, a composição orgânica do capital – ou seja, mais trabalho morto (capital fixo) e menos trabalho vivo (trabalho direto).


Consequentemente, a predominância do capital financeiro e a financeirização do capitalismo brasileiro – somadas à desindustrialização e à terciarização da economia – levaram à dessubstancialização do capital.


O capital perdeu sua substância: o trabalho produtivo.


À medida que a base de valorização produtiva se estreitou, a superexploração do trabalho se generalizou e se intensificou, manifestando-se em suas formas constitutiva (devido ao aprofundamento da nova dependência) e operativa (em função da queda da taxa de lucro).


Simultaneamente, surgiram novas faces da superexploração do trabalho: a forma derivativa (com a degradação do trabalho público provocada pela austeridade neoliberal) e a forma destrutiva do trabalho vivo (com a aniquilação de pessoas consideradas sem valor).





[1] Ver MARQUETTI, Adalmir; MALDONADO FILHO, Eduardo; MIEBACH, Alessandro; e MORRONE, Henrique. “Uma interpretação da economia brasileira a partir da taxa de lucro: 1950-2020”. Revista de Economia Política, vol. 43, nº 2, pp. 309-334, abril-junho/2023.

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