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A superexploração destrutiva do trabalho vivo - 1

 

Abordaremos nesta série de postagens, a noção de superexploração destrutiva do trabalho vivo. Essa perspectiva oferece uma nova dimensão para a compreensão do trabalho nas condições históricas da crise do capitalismo global. À medida que a crise estrutural do capital se aprofunda, emergem novas determinações no complexo processo de degradação da força de trabalho e do trabalho vivo nas formações sociais capitalistas.


Em primeiro lugar, há um nexo orgânico entre o sistema do Estado neoliberal e o aprofundamento da superexploração do trabalho. Iremos verificar isso a partir do caso do Brasil, exemplo privilegiado para refletirmos sobre o nexo orgânico entre Estado neoliberal, nova dependência, desindustrialização, crise da produção do mais-valor, dominância do capital fictício e acirramento da superexploração do trabalho.


No Brasil, o movimento do capital nos últimos trinta anos tem sido marcado pelo aprofundamento da superexploração da força de trabalho, a característica historicamente constitutiva do capitalismo brasileiro.


Mas, além dessa superexploração constitutiva, a crise estrutural do capital, com a tendência de queda da taxa de lucro, e a globalização neoliberal da economia capitalista deu origem à superexploração operativa, que se disseminou não apenas na periferia dependente, mas também no capitalismo central. Assim, a superexploração da força de trabalho se generalizou em escala global (utilizamos os conceitos de superexploração constitutiva e operativa desenvolvidos por Adrián Sotelo Valencia).


No caso dos países capitalistas dependentes como o Brasil, a superexploração da força de trabalho - na forma da superexploração historicamente constitutiva do capitalismo brasileiro -, desdobrou-se - com a globalização neoliberal - na forma da superexploração operativa - a forma generalizada da superexploração do trabalho na era do capitalismo global (a superexploração do trabalho opera - deste modo - o movimento contratendencial à queda da taxa de lucro que caracteriza historicamente a crise estrutural do capital).

A partir de 1990, o Brasil se inseriu de forma subalterna na mundialização financeira. Ao mesmo tempo, aprofundou-se a desindustrialização e por conseguinte, a dessubstancialização do capital atrófico.


A vigência do Estado neoliberal é a dominância do capital fictício e por conseguinte a dominação da oligarquia financeira que impulsiona o processo de aprofundamento da superexploração da força de trabalho que - deste modo - transforma-se em superexploração destrutiva do trabalho vivo.


Portanto, além de ser constitutiva e operativa - por conta da crise estrutural do sistema global do capital - a superexploração da força de trabalho adquiriu a forma de superexploração destrutiva do trabalho vivo. Isso não representa apenas um desenvolvimento quantitativo da superexploração da força de trabalho, mas sim mudança qualitativamente nova em sua forma essencial de ser.


É sobre esses diversos aspectos da noção de superexploração destrutiva do trabalho vivo que iremos nos debruçar.


Ruy Mauro Marini realçou a importância do conceito de “superexploração do trabalho” nas condições da economia globalizada. Para ele, ela teria um “papel de destaque, embora não exclusivo” (Marini, 2008: p.267). É o acirramento da concorrência mundial e a corrida pela mais-valia e lucros extraordinários que faz com que a superexploração da força de trabalho se generalize na economia globalizada, deixando de ser apenas uma característica distintiva dos países dependentes (o que levou - deste modo - Adrián Sotelo Valencia a distinguir as duas formas da superexploração da força de trabalho: constitutiva e operativa) .


A teoria da generalização da superexploração da força de trabalho baseia-se – no caso dos setores produtivos do capital - na nova teoria da concorrência e da corrida pela mais-valia e lucros extraordinários na economia globalizada.


É próprio do capitalismo privilegiar o aumento da extração da mais-valia e buscar a maximização da massa de lucros, utilizando, para isso, tanto o aumento da jornada de trabalho quanto a intensificação do trabalho, bem como, mais grosseiramente, a redução dos salários, sem respeitar o valor real da força de trabalho. Com a globalização capitalista e a mudança qualitativamente nova da concorrência no nível mundial, a superexploração do trabalho – diz ele – “[...] generaliza-se a todo o sistema, inclusive aos centros avançados, o que era um traço distintivo – embora não exclusivo da economia dependente” (Marini, 2008, p. 266).


Com a vigência do Estado neoliberal e a política de austeridade fiscal sob a condução da oligarquia financeira, a superexploração da força de trabalho se dissemina para a esfera do serviço público com a superexploração do trabalho de assalariados públicos.


É o Estado neoliberal nos países da periferia dependente que opera a superexploração da força de trabalho nas condições históricas da crise estrutural do capital. Com a globalização neoliberal, aprofunda-se a dependência da periferia capitalista. O Estado neoliberal é a nova forma do Estado capitalista dependente à mundialização financeira.


Ao mesmo tempo, no caso do Brasil, aprofundou-se nas últimas décadas, a desindustrialização e por conseguinte, a crise de produção do mais-valor, o que contribui efetivamente para a dominância do capital fictício.


Nessas novas condições históricas de desenvolvimento histórico do capitalismo brasileiro, a superexploração da força de trabalho dá um salto qualitativamente novo - manifesta-se a dimensão da superexploração destrutiva do trabalho vivo, expressão de crise do processo civilizatório.


A globalização capitalista a partir da década de 1990 não diz respeito a um tempo contingente (transitório) do capitalismo histórico, mas, sim, um tempo necessário (futuro) que expõe os limites in- ternos absolutos do capital. Ela opera mudanças qualitativamente novas no sistema. A globalização capitalista é a temporalidade do capitalismo catastrófico.


O Estado neoliberal é o Estado político do capitalismo catastrófico.


A palavra catástrofe vem do grego katastrophe e significa “fim súbito, virada de expectativas” (de kata-, “para baixo”, mais strophein, “virar”). Portanto, o capitalismo catastrófico é o capitalismo da “virada de expectativas ‘para baixo’”.


A mundialização do capital é o espaço de plenitude da lei do valor em que o ocorre o “salto mortal” da produtividade do trabalho - e por conseguinte da crise de produção do mais-valor. Portanto, a globalização capitalista promoveu um salto qualitativamente novo na forma de funcionamento do sistema de economia globalizada, não apenas nos âmbitos econômico, social e político, mas também no plano da subjetividade e na configuração das classes sociais (no caso do Brasil, a desindustrialização e a hipertrofia do setor de serviços - a maior parte improdutivo para o capital - alterou o perfil do novo e precário mundo do trabalho)..


Portanto, com a globalização capitalista, generalizou-se a superexploração destrutiva do trabalho, que diz respeito ao (1) debilitamento da força de trabalho por conta do seu consumo destrutivo no processo de produção do capital, mas à (2) degradação das condições de produção (e reprodução) do trabalho vivo e, portanto, a degradação das forças produtivas vivas da sociedade. O Brasil - reiteremos - é um caso exemplar.


Nossa hipótese é que a principal forma de manifestação da superexploração destrutiva do trabalho vivo é o processo de degradação da saúde – física e mental – do trabalho vivo, não apenas enquanto força de trabalho como mercadoria consumida no processo de produção do capital (o consumo destrutivo da força de trabalho), mas por conta da degradação das condições de reprodução social do trabalho vivo (a precarização da existência das pessoas que trabalham).


A crise permanente da saúde pública - principalmente a partir de 2020 - evidencia a superexploração destrutiva do trabalho como mecanismo sistêmico de produzir a destruição do trabalho vivo redundante e excedente às necessidades de acumulação do capital.


A degradação da saúde do trabalho vivo é resultado do acirramento da nova precariedade salarial, que caracteriza a materialidade do trabalho assalariado sob o Estado neoliberal, caracterizada pelo trabalho intensivo ou o mais-trabalho - isto é, o tempo de vida reduzido a tempo de trabalho estranhado. Elas são expressão da produção destrutiva do trabalho vivo.


O incremento tecnológico informacional nas organizações contribui para a intensificação do trabalho e o mais-trabalho e ao lado do modo de vida just-in-time e a vida reduzida, aumenta-se a degradação das condições da existência social do trabalho vivo produzindo o aumento de adoecimentos físicos e mentais.


Nas próximas postagens, continuaremos refletindo sobre as novas determinações da superexploração da força de trabalho e do trabalho vivo.

 

 

 

 

1 Comment


correacassiano3
Aug 22

Muito bom professor! Já compartilhei com os colegas de trabalho!

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