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A queda do rendimento do trabalho no PIB do Brasil (2015-2022)




Em uma postagem no X (ex-Twitter) de 5 de fevereiro de 2024, Márcio Pochmann observou que a segunda metade da década de 2010 impôs um retrocesso à retomada da parcela do PIB pelos rendimentos do trabalho. Ele afirma que, nos anos de 2004 a 2016, a participação do rendimento do trabalho no PIB cresceu 16,7% (+1,3% aa), enquanto de 2016 a 2021 declinou 12,3% (-2,3% aa). Ele concluiu dizendo que "a construção lenta e difícil que por 12 anos levou para mudar positivamente o peso da renda do trabalho no PIB foi rápida e abruptamente desmontada nos últimos anos de regressão neoliberal'. Com isso, o Brasil foi recolocado entre os países de baixos salários, empregos precarizados e de multidões de sobrantes sem destino. Para ele, 'a superação do passado recente trágico está novamente em curso. O caminho a ser restituído está sendo refeito'.


O gráfico abaixo nos mostra a distribuição do PIB pela renda. Iremos refletir a partir dele.


Gráfico 1




Pelo visto, Pochmann acredita que o governo Lula, que assumiu em 2023, possa fazer crescer a participação do rendimento do trabalho no PIB.


Mas a realidade é outra.


O PT encontra-se preso no labirinto da nova ordem neoliberal.


Em primeiro lugar, a auspiciosa conjuntura da economia brasileira da década de 2000 - a partir de 2003 - e da primeira metade da década de 2010 - até 2015 - é explicada pela ascensão e crise do capitalismo global e não exclusivamente pela política econômica dos governos do PT (2003-2016).


Naquela época, a economia brasileira cresceu puxada pela exportação de commodities e o crescimento da economia da China, permitindo - internamente - que o aumento do salário-mínimo - por exemplo - não levasse a um conflito distributivo entre capital e trabalho.


Por conta da conjuntura internacional e o modo como ela afetou a China, a partir de 2013, a economia brasileira dá sinais de desaceleração e a insatisfação da burguesia cresceu na medida em que a taxa de lucros caia mais ainda - desde 2010.


O gráfico abaixo - extraido do blog de José Luis Oreiro - nos mostra que a queda da taxa de lucro no Brasil aprofundou-se de fato, a partir a 2013, recuperando-se anos depois - com a ordem neoliberal 5.0 resultado do golpe de EStado de 2016:


Gráfico 2




O Gráfico 1 nos mostra que, com Dilma Rouseff, a recuperação da parcela dos rendimentos do trabalho no PIB continuou a crescer (até 2015), mesmo com a economia desacelerando. Ela resisitiu em assumir o projeto "Ponte para o Futuro" do seu vice, Michel Temer (PMDB) e que expressava os anseios da burguesia brasileira. Ao manter a política de valorização do salário-minimo e recusar-se a fazer a Reforma Trabalhista o governo Dilma contribuiu para pressionar mais ainda - para baixo - a lucratividade das empresas que só conseguiu se recuperar com a política econômica e as contrareformas neoliberais dos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro (a profunda recessão de 2015-2016 e o desemprego em massa - que o ajuste fiscal de Dilma em 2015 inadvertidade ajudou a criar - fez o trabalho de "quebrar" o ânimo da sociedade brasileira na resistencia à nova ofensiva neoliberal sobre o custo do traalho).


O gráfico 1 acima mostra então a decolagem do excedente operacional bruto (o lucro das empresas) a partir de 2019. Entretanto, a recuperação da taxa de lucro vinha de antes – pelo menos a partir de 2017.


É deveras impressionante “decolagem” dos lucros do capital a partir de 2019. Desta reação neoliberal surgiu uma megaburguesia no Brasil. Nunca antes, desde o governo FHC no final da década de 1990, o lucro das empresas teve um aumento tão significativo: de 32,7 para 37,5% do PIB. Isso explica o poder do capital numa dimensão inédita na história da República brasileira dos últimos trinta anos.


O economista Eduardo Costa Pinto denunciou em 2022 que, mesmo ante o crescimento praticamente zero da economia brasileira nos últimos anos, o apetite da “megaburguesia” do país é cada vez maior. Diz ele que desde 2016, com a chamada “Ponte para o Futuro” do governo Temer, aprofundada por Bolsonaro, os lucros dessa parcela da população crescem a “taxas chinesas”. Diz ele:


Nesse período, no entanto, a economia brasileira vem andando praticamente de lado. Entre 2017 e 2019, o PIB variou entre 1,3% e 1,8%. Em 2020, primeiro ano da pandemia, veio o tombo de -3,9%, seguido de alta de 4,6%, no ano passado. Por outro lado, em 2021, a taxa de lucro das 240 maiores empresas de capital aberto cresceu 22%, quase cinco vezes mais que o PIB do país.

 

O Gráfico 1 nos mostra que, quando Lula assumiu o governo em 2003, o patamar de lucro das empresas era de 34,2%. Mas quando Lula torna-se governo dez anos depois, em 2023, o patamar de lucro das empresas é bastante superior àquele de 2003 (cerca de 37,5%).


Nos governos de Lula e Dilma (2003-2014), o patamar de lucro se manteve igual ou pouco abaixo de 2002 – cerca de 33,57% em média. Isso pode ser explicado pelo aumento da participação dos rendimentos do trabalho no PIB, que eram 38,5% em 2003 quando Lula assumiu a primeira Presidência da República, e chegou a 41,6% quando ele entregou a Presidência a Dilma Rousseff.


Com o governo de Dilma (2011-2015), a participação dos rendimentos do trabalho no PIB continuou crescendo – de 42,8% em 2011 para 44,7% no ano do Impeachment em 2016.


Essa correlação entre rendimentos do trabalho e rendimento do capital é a prova cabal da relação antagônica entre eles. Como disse Marx, “o trabalhador se torna tão mais pobre, quanto mais riqueza produz”.


Quando o rendimento do trabalho aumenta, pressiona para baixo o rendimento do capital, principalmente quando a economia deixa de crescer -  ou cresce pouco - como aconteceu a partir de 2013. Isto fez explodir o conflito distributivo entre capital e trabalho.


Pochmann tem razão ao contrastar as duas conjunturas: antes do golpe e depois do golpe de Estado de 2016 - muito embora ele - Pochmann - não utilize o termo “golpe”, afinal, a direção hegemônica do PT não tem consenso em interpretar o que aconteceu de fato, em 2016 como sendo um golpe (Lula diria: traição – o que não é golpe de Estado, pois ao invés de mera traição de Eduardo Cunha e Michel Temer, o que aconteceu de fato, foi uma articulação das forças do Estado neoliberal – PGR, STF, Congresso e Mídia – contra o governo Dilma - houve um rompimento institucional para favorecer os interesses do bloco no poder).


Entretanto, a análise de Pochmann é conveniente para o PT lulista, na medida em que despreza a diferença qualitativamente nova entre as duas conjunturas do capitalismo brasileiro.


Não tem como refazer o que a burguesia com o golpe de 2016 desfez. Não existe maioria política e não existe força social de baixo.


O golpe de Estado de 2016 foi apenas o sinal político-institucional de que o bloco no poder demarcou a nova "linha vermelha" que não deve ser ultrapassada por nenhum governo da República.


A Nova República versão 5.0 – aquela que subverteu a ordem legal da Constituição de 1988 - tem como verdadeira Constituição da República burguesa o Projeto do PMDB  “Ponte para o Futuro”.


É ingênuo acreditar que o capital renuncie a um patamar elevado de lucro em prol da reposição do patamar digno de rendimentos do trabalho. O golpe de 2016, assim como o golpe de 1964 - mutatis mutandis - significou a alteração do padrão de acumulação do capital no Brasil. Desde 2016, temos um novo padrão de acumulação capitalista e de exploração da força de trabalho que favoreceu o crescimento da megaburguesia. De certo modo, existe uma articulação institucional entre o novo modus operandi do Congresso Nacional hipertrofiado e a ordem neoliberal 5.0 que favorece os super-ricos no Brasil ( que seria assunto para outra postagem).


Enfim, o projeto da burguesia brasileira é fazer com que o Brasil seja, de fato, “um país de baixos salários, empregos precarizados e de multidões de sobrantes sem destino” – como observou Pochmann. É a superexploração do trabalho que sustenta o desenvolvimento capitalista no Brasil – isto há séculos. A burguesia brasileira precisa aprofundar mais o desmonte do padrão salarial no Brasil, afinal, o México ainda nos supera em precariedade do trabalho.


O que mostra que o debate sobre Arcabouço Fiscal, Reforma Tributária ou mesmo o novo PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) com a suposta re-industrialização do Brasil, só tem sentido para o mundo do trabalho se houver crescimento dos rendimento do trabalho no PIB, o que por tabela, implica em reduzir o rendimento do capital no PIB.


Parafraseando Stálin, perguntariamos: "Quantas divisões tem o governo Lula para refazer o caminho" ?   


Por outro lado, a direita neoliberal opera um tipo de transformismo ampliado quando utiliza o espantalho da extrema-esquerda para provocar medo na esquerda do PT que sonha em mudar o novo padrão de acumulação do capital, retroagindo-o – por exemplo - àquele que vigorou nos governos Lula e Dilma de antes de 2016.


Mas, esperta, a burguesia hegemonica exclama: 'Deixem de lado as veleidades de reforma do modelo de exploração criado por Michel Temer, senão abrimos o portão dos cães do fascismo que estão a nosso serviço - nós somos o Poder'."


Afinal, quem “criou” Bolsonaro em 2018 e hoje quem o encurrala por meio do STF e da TV Globo – por exemplo?


Os mesmos que deram o golpe de Estado em 2016. O espantalho do bolsonarismo tornou-se conveniente para a direita neoliberal reduzir – de vez – as veleidades ideológicas da esquerda do PT.

 

Em síntese: é deveras curioso que a extrema-direita bolsonarista tenha se tornado um aliado sistêmico da grande burguesia, mesmo sendo perseguida por ela (existem conflito politico de suas frações). Mas, no fundo, a relação entre a direita neoliberal e a extrema-direita hiperliberal é uma relação do tipo “gêmeos mórbidos semelhança”.


Tragicamente, o governo Lula e o PT lulista encontram-se reféns da nova ordem burguesa neoliberal 5.0 resultado dp golpe de Estado de 2016.


Mas não apenas - pragmaticamente aderiram a ela. Parte do PT lulista é de fato, “tucanos de plumagem vermalha”. Produto do transformismo ampliado, o PT tem a astúcia de administrar a Ordem. A questão é  até que ponto sem perder a identidade petista (a identidade de classe perderam há tempos).


Parte do PT lulista – inclusive o próprio Lula – acreditam que podem se aproveitar eleitoralmente do espectro do bolsonarismo. Polarizar com Bolsonaro pode render votos em 2024 – visando 2026.


Como o governo Lula encontra-se impedido de desconstruir a 'Ponte para o Futuro' criada pelo governo Michel Temer - contrarreformas que aprofundaram a precariedade salarial no Brasil, derrubaram a parcela do rendimento do trabalho no PIB e elevaram de modo extraordinário o lucro dos super-ricos e da burguesia brasileira - só resta ao PT lulista acenar eleitoralmente com o espantalho da volta do bolsonarismo.


“Nous ou le déluge” [Nós ou o dilúvio!].


Enquanto isso, a pequena política abraçada pelo PT, cada vez mais rebaixada, deixa de lado discussões que mudem verdadeiramente a vida das massas trabalhadoras brasileiras.


Mas a história tem suas leis férreas - sem transformações estruturais que alterem a participação do trabalho no PIB brasileiro, a democracia brasileira está verdadeiramente ameaçada.


Enfim, a ideia de que Geraldo Alckmin e Simone Tebet sejam verdadeiramente democratas é tão esdrúxula quanto acreditar que só a prisão de Bolsonaro possa, por si só, evitar que a extrema-direita (ou a direita neoliberal) se torne novamente, pelo voto popular, governo em 2026.

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