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A Cooperação Complexa - Parte 2


Na parte 1 apresentamos o conceito de "cooperação complexa" como sendo a terceira forma de produção do capital. Karl Marx nos apresentou no Livro 1 de O Capital, duas formas sociais da produção do capital: a "manufatura" e a "grande indústria".


Defendemos a tese de que se constituiu nas últimas décadas, com a terceira forma: a "cooperação complexa". É a partir dela que podemos entender as mutações orgânicas da organização do trabalho e do metabolismo social do capitalismo do século XXI.


Fizemos na postagem anterior, a introdução da problemática das formas de produção do capital a partir dos quais podemos entender o sociometabolismo das formações capitalistas desde o século XVIII. Nesta postagem iremos expor as duas primeiras formas de produção do capital – a manufatura e a grande indústria. Na Parte 3, caracterizaremos o que é a cooperação complexa.


A Manufatura


A primeira forma de produção do capital é a manufatura. Como Marx observou, o ponto de partida do revolucionamento do modo de produção capitalista na manufatura foi a força de trabalho. O capital em processo criou, por meio da expropriação dos camponeses, a massa de força de trabalho a disposição das manufaturas em ascensão no século XVIII.


A manufatura incorporou a divisão do trabalho no processo produtivo, degradando as habilidades artesanais da força de trabalho, isto é, sua relação com o instrumento de trabalho herdado do modo de produção anterior. Deste modo, o capital criou a força de trabalho como mercadoria que nas condições da manufatura, apareceu como “trabalhador parcelar”.


Ao invés de intervir em todas as etapas da produção de mercadoria, o operário manufatureiro é obrigado a intervir apenas numa parte do processo de trabalho. O “trabalhador parcelar” está alienado do seu ofício e por conseguinte, do seu espaço domiciliar de produção.

Na medida em que concentrou no território da manufatura a força de trabalho alienada de seus meios de produção, a manufatura reordenou o espaço da produção como espaço de cooperação simples e território do controle despótico do capital.


Antes, o camponês e o artesão exerciam o trabalho cotidiano e seu ofício no espaço da gleba e da oficina domiciliar, respectivamente. Com a manufatura, que concentra numa mesma dimensão territorial, a massa de operários, a lógica do capital subsumiu formalmente, o trabalhador assalariado por meio do controle da força de trabalho como mercadoria.


O trabalho vivo é reconfigurado no novo espaço territorial da produção do capital como “trabalhador coletivo” constituído por um complexo de trabalhadores parcelares.


Assim, com a manufatura se põe a “cooperação” e a “divisão do trabalho” dentro da fábrica. Na manufatura, o trabalhador assalariado está subsumido apenas formalmente ao capital na medida em que preserva habilidades manuais oriundas do oficio artesanal. Ele ainda mantém uma relação efetiva com o meio de trabalho, embora tenha se tornado trabalhador parcelar. A manufatura expõe a subsunção formal do trabalho ao capital.


Foi nas condições históricas da manufatura capitalista que instaurou-se a problemática do adoecimento laboral. Nessa época, o médico italiano Bernardino Ramazzini (1633-1714) criou a Medicina Ocupacional. Foi o seu livro sobre doenças ocupacionais intitulado De Morbis Artificum Diatriba (Doenças do Trabalho), que relacionava os riscos à saúde ocasionados por produtos químicos, poeira, metais e outros agentes encontrados por operários em 52 ocupações, que se tornou um dos trabalhos pioneiros e base da medicina ocupacional. Portanto, a produção do capital em ascensão histórica significou a produção de corpos-mentes doentes.


Com a manufatura, a forma de exploração dominante foi a mais-valia absoluta significando que a jornada de trabalho era extensa com o tempo de vida reduzido a tempo de trabalho.


O princípio da manufatura que se incorporou na lógica de desenvolvimento capitalista, foi o princípio do controle laboral por meio da reorganização territorial (o capital constitui o seu “trabalhador coletivo”); a reorganização das habilidades manuais (o capital constitui um novo nexo psicofísico do trabalho); e o reordenamento do tempo de vida reduzindo-o a tempo de trabalho.


Entretanto, a manufatura não alterou a relação homem-técnica. O operário-artesão ainda dominava a técnica. O meio de trabalho era meio de trabalho no sentido do instrumento parcelar, sendo extensão do homem. A subsunção formal do trabalho ao capital significava que a produção de mais-valia absoluta restringia-se aos locis das manufaturas e a relação-capital ainda não tinha se tornado totalidade social.


A Grande Indústria


Na grande indústria, o ponto de partida do revolucionamento foi o meio de trabalho, ou seja, a tecnologia. É o momento de subsunção real do trabalho vivo ao capital como trabalho morto que se impõe ao trabalho vivo.


Alterou-se a forma de exploração com a dominância da mais-valia relativa. Ao alterar radicalmente a relação homem-técnica, instaurando a forma-tecnologia, a grande indústria alterou a relação homem-Natureza, na medida em que, com o sistema de máquinas-ferramentas, aboliu-se as habilidades artesanais do operário, transformando-o num mero apêndice da maquinaria.


A posição do homem como apêndice da máquina aprofundou o adoecimento do corpo do trabalho vivo.


O princípio da máquina impõe a racionalização da produção do capital e a subversão do processo de trabalho que se transforma em processo de valorização.


Harry Braverman no livro clássico "Trabalho e capital monopolista" (1977), observou que o taylorismo representou o princípio ideológico da grande indústria. Apesar do ideal do capital em transformar o trabalho vivo em máquina, “o operário continua ´infelizmente´ homem, e inclusive, ele, durante o trabalho, pensa demais...” (como observou Antonio Gramsci em "Americanismo e Fordismo").


. Assim, a racionalização taylorista absorveu o corpo, mas não a mente.


O princípio do sistema de máquinas consumiu o trabalho vivo como força natural (corporalidade, braços e pernas, cabeça e mão). Ao contrário da manufatura, a técnica de produção da grande indústria expandiu-se para a totalidade social, imprimindo a sua marca na reprodução social (a força do americanismo e do fordismo).


A modernidade do capital tornou-se modernidade-máquina. O sistema de máquina colonizou a vida social, alterando a percepção espaço-tempo do homem moderno. O tempo de vida reduzido a tempo de trabalho tornou – com a produção em massa - o “tempo livre” a tempo de consumo e lazer.


Nas condições da produção da mais-valia relativa, a luta pela redução da jornada de trabalho tornou-se eixo político da luta de classes. Tornou-se perceptível que - como observou Marx em "Salário, Preço e Lucro", o tempo é “o campo de desenvolvimento humano”, sendo campo de disputa do capital.


Na era da grande indústria, alterou-se as relações internacionais de dominação com o imperialismo subsumindo a forma histórica anterior – o colonialismo. O imperialismo moderno se caracteriza pela dominância das relações de poder tecnológico entre países imperialistas e países dominados determinando as trocas comerciais desiguais.


Na era da grande indústria permitiu-se a industrialização da periferia capitalista, entretanto preservou-se as relações de dependência. A superexploração do trabalho tornou-se característica das formas de exploração na periferia enquanto mecanismo de compensação pelas trocas comerciais desiguais (como observou Ruy Mauro Marini).


No próximo - e último post - iremos caracterizar o que é a "cooperação complexa", diferenciando-a das formas anteriores de produção do capital (manufatura e grande indústria).


Queremos salientar que é a partir das formas de produção do capital que podemos entender o sociometabolismo das formações sociais, incluindo a organização do trabalho e as relações sociais de produção; a relação homem-natureza (incluindo a tecnologia), as formas de adoecimentos das pessoas que trabalham e inclusive, as relações internacionais de dominação.

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