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O bônus demográfico do Brasil acabou?



Existe uma discussão entre economistas e demógrafos sobre o “bônus demográfico”, isto é, o período do desenvolvimento demográfico de uma sociedade em que a taxa de crescimento da População em Idade Ativa (PIA), entre 15 e 64 anos, é superior à taxa de crescimento da População Total (POP). Isto é, quando a taxa de crescimento da população de crianças, jovens e idosos é menor do que o crescimento da População em Idade Ativa.


Assim, o bônus demográfico é o momento em que a PIA cresce e o número de crianças e idosos que dependem dos trabalhadores ou do Estado para viver, é baixo. É o período em que - de acordo com economistas e demográfos - as economias podem aproveitar a demografia para dar um “salto de desenvolvimento”, já que há muitas pessoas disponíveis para trabalhar.


Os demógrafos denominam o bônus demográfico de “momentum demográfico” considerado por eles um fenômeno que ocorre durante a transição demográfica, quando a taxa de natalidade e a taxa de mortalidade diminuem e a expectativa de vida aumenta. Isso resulta em um maior número de pessoas na faixa etária economicamente ativa (de 15 a 64 anos) em comparação com os grupos etários teoricamente dependentes.


O “momentum demográfico” ou "bônus demográfico" representa um período em que há uma alta proporção de pessoas em idade potencialmente ativa. Dizem eles que este é o momento ideal para um país dar um salto no desenvolvimento humano e na qualidade de vida da população.


O momentum demográfico não é permanente. Com o tempo, à medida que a população envelhece, a proporção de pessoas em idade ativa começa a diminuir, enquanto a proporção de pessoas idosas aumenta. Portanto, é crucial para os países aproveitarem esse "empurrão" demográfico para impulsionar seu desenvolvimento socioeconômico.


A questão do bônus demográfico nos leva a esclarecer alguns conceitos importantes da demografia e da economia. Por exemplo, POP (População Total), PIA (População em Idade Ativa), PEA (População economicamente ativa), PNEA (População não-economicamente ativa), PEI (População economicamente inativa). Outro conceito importante é o conceito de “razão demográfica” ou “razão de dependência”, conceito utilizado bastante pelos economistas neoliberais que reivindicam a necessidade da Reforma da Previdência visando equilibrar o gasto público e evitar déficits fiscais.


Os conceitos


A POP, ou População Total, também conhecida como população absoluta, é o número total de habitantes de um determinado lugar. Esse número é obtido a partir de levantamentos gerais da população, que incluem a contagem de todas as pessoas que habitam o território analisado. No Brasil, essa tarefa fica a cargo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que realiza de dez em dez anos o recenseamento geral da população.


A PIA ou População em Idade Ativa é uma classificação etária que compreende o conjunto de todas as pessoas teoricamente aptas a exercer uma atividade econômica. Também chamada de "força de trabalho", representa o número de pessoas com capacidade para participar do processo de divisão social do trabalho, em uma determinada sociedade. A PIA compreende as pessoas com idade entre 15 e 64 anos. No Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) considera um indivíduo em idade ativa se tiver 10 (dez) ou mais anos de idade. A População em Idade Ativa (PIA) é dividida em duas categorias principais:

1. População Economicamente Ativa (PEA): Este grupo inclui todas as pessoas que estão empregadas (ocupadas) ou que estão desempregadas, mas procurando ativamente por trabalho.

2. População Não Economicamente Ativa (PNEA): Este grupo inclui pessoas que não estão empregadas e não estão procurando ativamente por trabalho. Exemplos incluem estudantes, aposentados, e pessoas que cuidam dos afazeres domésticos sem remuneração.


A PEI ou População Economicamente Inativa é formada por pessoas que não estão empregadas e não estão procurando ativamente por trabalho. Este grupo inclui pessoas que estão fora da faixa etária de trabalho, bem como aquelas que não têm interesse ou não estão ativamente em busca de ocupação. Portanto, a PEI inclui crianças, estudantes jovens que não trabalham, aposentados e pessoas que cuidam dos afazeres domésticos sem remuneração. Além disso, a PEI também inclui os desalentados: aqueles que deveriam estar dentro da População Economicamente Ativa (PEA), mas desistiram ou não têm interesse em procurar uma ocupação.


Todos os indicadores acima estão em movimento tendo em vista a dinâmica operada pela “segunda transição demográfica”.


Na segunda fase da transição demográfica, ocorre uma diminuição das taxas de fecundidade, o que provoca uma queda da taxa de natalidade mais acentuada que a de mortalidade. Isso desacelera o ritmo de crescimento da população.


A segunda transição demográfica aumentou a velocidade ou ritmo de alterações dos indicadores salientados acima, como por exemplo, a diminuição de velocidade de crescimento da POP, as mudanças internas dos estratos da PIA e da PEI (redução veloz de crianças e jovens até 15 anos e aumento acelerado de idosos acima de 65 anos).


Finalmente, cabe esclarecer o que significa “razão demográfica”, também conhecida como “razão de dependência”, que é um indicador que pressupõe que jovens e idosos de uma população são dependentes economicamente dos demais. É a quantidade de crianças (população menor de 14 anos) e idosos (população acima de 65 anos) que existe no país para cada pessoa em idade ativa (entre 15 e 64 anos). Portanto, é um indicador do contingente que é suportado pela população potencialmente produtiva. A razão de dependência pode ser calculada separadamente para jovens (menores de 15 anos) e idosos (65 anos e mais), resultando na Razão de Dependência Jovem e na Razão de Dependência de Idosos.


Brasil e a demografia


Em primeiro lugar, a POP tem crescido, mas numa velocidade menor. A taxa de crescimento anual da população total do Brasil, entre os anos de 2010 e 2022, foi de 0,52%. Este é o menor nível da série histórica iniciada há 150 anos. Provavelmente, isto deve continuar nas próximas décadas.


Em segundo lugar, a pirâmide etária brasileira mostra que o envelhecimento da população brasileira aumentou velozmente entre 2012 e 2022. Esta mudança provocou mudanças na PIA que pode ser observada pela menor porcentagem encontrada em 2022 nos grupos etários mais jovens (base da pirâmide), ao mesmo tempo em que houve aumento nas porcentagens dos grupos de idade que ficam no topo da pirâmide. Durante esse período, houve redução dos percentuais de homens e mulheres em todas as faixas etárias até 34 anos.


Por outro lado, houve crescimento em todas as demais faixas etárias acima de 34 anos, para homens e mulheres. As mudanças da PIA são as mais importantes. Elas alteram o metabolismo demográfico de modo efetiva pois dizem respeito à composição etária da força de trabalho, importante recurso para a produção do capital e para participar do processo de divisão social do trabalho, em uma determinada sociedade.


Como vimos, a PIA é dividida em: população economicamente ativa (PEA) e população não economicamente ativa (PNEA). A PEA é formada pela somatória da população ocupada – pessoas empregadas, empregadores, aqueles que trabalham por conta própria e não-remunerados – e população desocupada – pessoas sem trabalho, porém dispostas a trabalhar. A PNEA abrange todas as pessoas que não são classificadas como ocupadas ou desocupadas.


Apesar da PIA ser uma classificação etária, sua subdivisão entre PEA e PNEA é macroeconômica. Isto é, dependendo da atividade econômica do país, a PEA pode aumentar ou diminuir – e o mesmo acontece com a PNEA.


No caso específico do Brasil, a população ativa soma em 2023 aproximadamente 79 milhões de pessoas ou 46,7%, índice muito baixo, uma vez que o restante da população (PEI ou a População Economicamente Inativa) - cerca de 53,3% - fica à mercê do sustento dos economicamente ativos.


A População Economicamente Inativa (PEI), é formada por aqueles indivíduos que se encontram fora da idade de trabalho oficial e, portanto, não podem exercer uma atividade de trabalho porque têm menos de 16 anos ou mais de 65 anos, sendo composta – como vimos - por todas as pessoas que não estão desempenhando atividades remuneradas. Isso inclui indivíduos com idade inferior a 15 anos ou superior a 64 anos – por exemplo, estudantes, donas de casa, crianças, reformados ou pensionistas, pré-aposentados, aposentados e aqueles com alguma deficiência permanente).


Além disso, a PEI também inclui os desalentados: os que deveriam estar dentro da População Economicamente Ativa (PEA), porém desistiram ou não possuem interesse em procurar uma ocupação. Com exceção dos indivíduos com idade inferior a 15 anos (crianças e jovens), todos os demais apresentam aumento desde o Censo de 2010.


Brasil e o fechamento da “janela demográfica”


A questão da “razão de dependência” e o problema do crescimento da economia pode ocultar o fato de que não se pode reduzir o crescimento da economia à questão da estrutura demográfico.


Demografia não é destino, o que significa que o fator determinante do desenvolvimento econômico é a politica macroeconômica adotada. Por outro lado, não se pode desprezar o problema do bônus demográfico ou das condições demográficas para o crescimento econômico.


Vejamos o caso do Brasil:


Autores salientam o bônus demográfico tem beneficiado o crescimento da economia brasileira desde a década de 1970. Mas a economia brasileira aproveitou pouco o bônus demográfico tendo em vista que tem crescido pouco desde a crise da dívida externa em 1980. Na verdade, o neoliberalismo fez desperdiçar uma oportunidade demográfica para crescer e desenvolver o país.


Para o economista neoliberal Samuel Pessoa (do IPEA), o bônus demográfico acabou cinco anos mais cedo que o previsto. A previsão segundo ele era acabar em 2023, mas acabou em 2018. Para ele o fim do bônus demográfico é o momento em que o ritmo de crescimento da população em idade de trabalhar fica abaixo do crescimento populacional total.


Na verdade, existem diferentes maneiras de definir quando o bônus demográfico termina.


Por exemplo, o demógrafo José Eustáquio Diniz Alves (do IBGE), discorda que o bônus demográfico tenha acabado. Para ele, o bônus demográfico termina quando a razão de dependência (proporção de crianças, jovens e idosos na população) é inferior a 50%. Por esse critério, o bônus demográfico no Brasil terminaria em 2035.


Mas a discussão do bônus demográfico pode causar a impressão de que demografia é destino. Mas o que se verifica é que – de qualquer modo – a janela demográfica fechou-se ou está prestes a fechar.


A população brasileira envelhece numa velocidade extrema levando os pesquisadores a utilizarem o termo superenvelhecimento. A população de idosos e crianças já cresce mais que a de brasileiros economicamente ativos, com idade entre 15 e 64 anos. O que se deduz desses percentuais é óbvio: a população brasileira está envelhecendo, e a cada dia há menos brasileiros trabalhando e mais brasileiros vivendo à custa de pensão e aposentadoria.


Na verdade, a pandemia de covid-19 fez com que a PIA (População em Idade Ativa) comece a diminuir no Brasil em 2035 - 5 anos antes do previsto. Como vimos acima, a PIA considera as pessoas que têm de 15 a 64 anos. Ou seja, as pessoas que estão em idade para trabalhar e podem contribuir com o desenvolvimento econômico devem se reduzir nas próximas décadas.


No Brasil, historicamente a PIA começou a crescer em uma velocidade superior à taxa de crescimento da população como um todo em 1970, dando início ao bônus demográfico. Lembrando: o bônus demográfico é o período em que as economias podem aproveitar a demografia para dar um “salto de desenvolvimento”, já que há muitas pessoas disponíveis para trabalhar. Mas como salientamos, o Brasil não tem aproveitado essa “janela de oportunidade” para crescer.


Hoje (2023), a PIA corresponde a 69,7% da população brasileira. São cerca de 148 milhões de pessoas em idade ativa e 64,4 milhões de dependentes (adolescentes de até 14 anos e idosos a partir de 65 anos). Dados do IBGE indicam, no entanto, que 14,8 milhões de pessoas estão desempregadas e 32,9 milhões estão subutilizadas no país. A crise de 2015 e o golpe de 2016 - e a volta das politicas neoliberais - atrapalhou o bônus porque diminuiu a renda e aumentou o desemprego. Quando veio a covid-19, piorou tudo. As politicas neliberais e a pandemia afetaram o emprego, a educação e a saúde, que são essenciais para o aproveitamento do bônus, e ainda deve encurtar o bônus demográfico.


Portanto, a população brasileira está envelhecendo, e a cada dia há menos brasileiros trabalhando e mais brasileiros vivendo à custa de pensão e aposentadoria. Tal perspectiva é um terror para os neoliberais. Por isso, eles utilizam o movimento de tais indicadores demográficos para defender a necessidade de se fazer (de novo!) a Reforma da Previdência, aumentando a idade mínima para se aposentar, visando reverter o déficit do setor público, verdadeira obsessão dos economistas neoliberais. Ao mesmo tempo, aproveitam a evolução demográfica para alertar a população para que busque alternativas como Previdência privada capaz de complementar a aposentadoria pública (o que é um filão precioso para os bancos).


O resultado é que - sem percebermos - o direito à aposentadoria digna foi alienado de todos nós!


Mas desenvolvimento econômico implica discutir os fatores do crescimento econômico e um projeto de desenvolvimento nacional com um amplo pacote de investimento público.


Na medida em que o bônus demográfico acabou ou vai acabar, o desenvolvimento do Brasil não vai mais poder contar com a demografia – e na verdade, ela tem feito muito pouco face à estagnação do desenvolvimento da economia brasileira nas últimas décadas. Talvez possamos dizer que – se não fosse a demografia – teria sido muito pior, exigindo deste modo, mais vontade política do Estado na implementação de tal projeto de desenvolvimento que posa significar Pleno Emprego e Trabalho decente (o que implicaria mudar a natureza do Estado político do capital).


A transição demográfica pode abrir oportunidades?


Para o demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, o envelhecimento populacional pode abrir uma oportunidade: a redução do percentual de crianças e jovens, que traz benefícios inquestionáveis.


Famílias menores permitem que os pais troquem o investimento na quantidade para o investimento na saúde e educação dos filhos, aumentando o gasto per capita por criança. Jovens mais saudáveis e mais escolarizados possuem maiores direitos de cidadania e contribuem para as famílias e para o país.


Na verdade, a segunda transição demográfica e a nova ordem demográfica do capital faz com que as economias capitalistas sejam obrigadas a trocar a oferta ilimitada de força de trabalho do bônus demográfico pelo aumento da capacidade produtiva da força de trabalho existente (o bônus da produtividade).


A janela de oportunidade criada pela transição da estrutura etária (o bônus demográfico) aumenta temporariamente a oferta de trabalho. Assim o país tem um período específico para dar um grande salto no desenvolvimento econômico e social.


Mas o que verificamos no Brasil neoliberal é o país com um grande desemprego aberto; uma grande quantidade de pessoas subocupadas e um imenso contingente de trabalhadores na informalidade. Com o fim do bônus demográfico perdemos a janela de oportunidade criada pela transição da estrutura etária.


Assim, o crescimento da economia não vai se dar pelo bônus demográfico, mas sim, pelo bônus da produtividade, o que implica em colocar em prática o Pleno Emprego e o Trabalho Decente, famosa e urgente bandeira da OIT.


O processo de envelhecimento populacional é uma consequência inevitável da transição demográfica e do fechamento da transição etária que possibilitou o bônus demográfico. A percentagem de pessoas com 60 anos e mais de idade vai ultrapassar 40% da população total nas últimas décadas do século 21. Haverá menos pessoas em idade considerada de trabalhar e mais pessoas em idade de se aposentar. Este processo é inevitável e universal.


A solução para este desafio está – não no bônus demográfico – mas no bônus da produtividade e no bônus da longevidade.


Enfim, a redução do volume de trabalhadores pode ser compensada por trabalhadores mais produtivos que produzem mais com menos. O aumento do volume de idosos pode ser benéfico se contarmos com o envelhecimento saudável e ativo, pois o grande contingente de pessoas da terceira idade deve ser encarado como um ativo, e não com um passivo.


Obviamente, o aproveitamento do bônus da produtividade e do bonus da longevidade vai depender não apenas de outro tipo de economia, mas de outro tipo de Estado político do capital diferente do Estado neoliberal que assola o Brasil há pelo menos trinta anos.


Só no socialismo poderemos aproveitar o bonus da produtividade capaz de permitir a socialização da riqueza produzida e o bonus da longevidade capaz de propiciar uma velhice digna de ser vivida por longos anos.


Face a perspectiva do fechamento da janela de oportunidade demográfica, só nos resta o bônus da produtividade e o bônus da longevidade, dado pelo crescimento do PIB, desenvolvimento social e bem-estar social. Tudo o que o Estado neoliberal é incapaz de prover. Tuo o que um Estado socialista pode prover.

Esta é a questão.




[1] “Janela de oportunidade para o Brasil enriquecer está se fechando, alerta demógrafo”. In: https://cbn.globoradio.globo.com/media/audio/423952/janela-de-oportunidade-para-o-brasil-enriquecer-es.htm. Acesso em 01.11.2023.

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