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A transição socialista - Uma nota metodológica (2)



Na perspectiva de Marx a transição socialista seria a etapa histórica necessária a partir do qual se construiria as bases da sociedade comunista, produto do alto desenvolvimento das forças produtivas, fenômeno histórico-universal e não apenas como comunismo num só país. Enquanto a transição socialista ocorre num só país, o mesmo não se pode dizer do comunismo como etapa superior do desenvolvimento humano que, de acordo com Karl Marx, deveria ser histórico-mundial.


Um detalhe: alto desenvolvimento das forças produtivas significa não apenas desenvolvimento científico-tecnológico e desenvolvimento da produtividade do trabalho social, mas principalmente, desenvolvimento dos sujeitos humanos no plano intelectual-moral e espiritual. Por isso a necessidade da transição socialista capaz de criar as bases materiais - objetivas e subjetivas - do desenvolvimento das forças produtivas humanas. O capitalismo é incapaz de faze-lo principalmente na era da barbárie social - pelo contrário, o capitalismo opera a produção destrutiva das capacidades verdadeiramente humanas.


Na obra de Marx existe toda uma reflexão esparsa sobre a problemática histórico-ontológica da transição. Trata-se - como vimos acima - de um princípio da mudança histórica que se torna crucial no século XXI na medida em que a humanidade defronta-se com a crise estrutural do capital, a precarização estrutural do trabalho e o sociometabolismo da barbárie, com a vigência da produção destrutiva – a destruição da Natureza e do trabalho vivo, isto é, da subjetividade capaz de negar as formas do capital.


Vejamos por exemplo, esta passagem do Capítulo Sexto Inédito, escrito por Marx (c. de 1867):


"Considerada historicamente, [o processo de produção alienado, a inversão do sujeito em objeto – G.A] surge como o ponto de transição necessário para promover coercivamente, à custa da maioria, a criação de riqueza enquanto tal, ou seja, o desenvolvimento implacável das forças produtivas do trabalho social, as únicas que podem constituir a base material de uma sociedade humana livre. Deve-se passar por essa forma antagônica, assim como o homem deve primeiro figurar religiosamente seus poderes espirituais como poderes independentes de si mesmo. É o processo de estranhamento [Entfremdungsprocess] do seu próprio trabalho". (Marx, p. 60-61, Boitempo, 2022).


O século XX mostrou que a transição socialista – como vimos, por exemplo, na ex-URSS e hoje, na China - é uma verdadeira armadilha histórica pois no percurso de construção das bases materiais do comunismo, as forças da reação histórica do capital podem restaurar o capitalismo (o que aconteceu com a URSS).


As forças da produção destrutiva do capital operam com mais vigor hoje – mais do que nunca. Na medida em que não se torna um fenômeno histórico-universal, a experiencia da transição socialista recolhida num só país, está condenada à regressividade histórica. Ao mesmo tempo, por ser uma experiência política, a transição socialista deve ocorrer – num primeiro momento – num só país. Na verdade, a transição socialista é um campo de luta de classes.


No primeiro post, vimos que a doença infantil do comunismo confunde socialismo com comunismo, imaginando que uma sociedade socialista está livre das mazelas do capital. Inclusive, mesmo autores como István Mészáros, podem levar à confusão entre socialismo e comunismo quando salienta que a divisão hierárquica do trabalho deve ser abolida – de imediato – na fase de transição (o que implicaria abolir o Estado politico e as classes sociais).


Entretanto, entendemos que o termo "socialista" – por si só – implica uma transição (processualidade) histórica para além do capitalismo, mas não ainda - para além do capital (o que significa a presença no âmbito do ser social do mercado, valor, mais-valor, Estado político, classes sociais, estranhamento, etc) .


O conceito de transição é fundamental na medida em que impõe o entendimento da dialética da história e da processualidade contraditória do "novo" que se constitui a partir do "velho". Mas - e isto é importante - a transição pressupõe antes, como ato histórico, uma processualidade revolucionária que funde o Estado socialista, força política dominante e dirigente do proletariado capaz de organizar a transição histórica. Obviamente, não existe transição socialista com uma materialidade política (Poder político) capitalista.


Portanto, uma transição socialista é produto de uma revolução socialista ou ainda, uma revolução nacional-popular de cariz anti-imperialista como vimos muitas no século XX. Não se trata de uma processualidade perene e tranquila principalmente na etapa do capitalismo manipulatório e sob cerco do mercado mundial.


O capitalismo da produção destrutiva, o poder férreo do capital operando nas entranhas da forma antagônica da transição socialista, o cerco da guerra permanente cobra um alto preço às experiências de mudança histórica para além do capitalismo.


István Mészáros ao distinguir capital e capitalismo, recuperou a problemática da transição, contribuindo para entender os alcances e limites da experiência socialista da URSS. Para ele, a experiência socialista da URSS fracassou porque não aboliu o capital, apesar de ido para além do capitalismo. Entretanto, é disso que se trata – reconhecer o valor, os alcances e os limites da transição socialista.


Toda transição socialista é um campo de riscos e de lutas de classe. No processo de transição socialista – e estamos pensando a China de hoje - um dos riscos do novo experimento histórico é o risco da burocratização, isto é, o fechamento da materialidade política do capital que caracteriza a forma-Estado político. A burocratização é a lógica de ferro inexorável da modernidade do capital. Max Weber era pessimista sobre a possibilidade de as revoluções sociais irem além do capital. A burocratização impôs seu preço crucial às experiências de transição socialista. Novamente, o caso da URSS é exemplar. Na verdade, não se pode subestimar as forças férreas do capital e sua capacidade de estrangular processos de mudança histórica radical como a passagem para além do capital.


Mas, por trás da burocratização identificada por Weber está - de certo modo - a lei do valor e o fetichismo da mercadoria, os dois elementos do movimento do capital expostos de modo singelo por Karl Marx na seção 1 de O Capital, intitulada Mercadoria e Dinheiro. Está seção primeira do livro 1 de O Capital deveria ter como subtítulo “Os riscos da transição socialista” pois nesta forma histórica antagônica operam a lei do valor, dinheiro e mercadoria, o fetichismo da mercadoria - enfim, as formas primitivas do capital que resistem às experiências pós-capitalistas. A partir delas se constituem forças sociais e politicas que sob determinadas circunstâncias histórias de reação interna e externa podem restaurar o modo de produção capitalista como elemento estruturante da formação social.


O risco da transição socialista possui outro elemento - além da burocratização: o mercado mundial que face à construção do socialismo num só país, opera como força externa (e interna) pondo obstáculos às forças da dinâmica para além do capital. Como vimos, a revolução social – a priori – é um ato politico de um país e portanto, ela – a principio – ocorre num território parcial do sistema-mundo.


Por um lado, caso a formação socialista opte por ficar isolada do mercado mundial, ela renuncia ao desenvolvimento das forças produtivas que Marx reconheceu são pródigas do capitalismo histórico-mundial. Renunciar ao desenvolvimento das forças produtivas significaria não ir além da escassez. O comunismo é a ordem social para além da escassez.


Por outro lado, integrar-se no mercado mundial, promover o desenvolvimento as forças produtivas - no caso, o desenvolvimento da materialidade científico-tecnológica capaz de impulsionar a produtividade do trabalho social, pode significar "implodir" a transição socialista e forçar a restauração capitalista.


Eis o dilema histórico trágico da experiencia da transição socialista.


Entretanto, na história não existem pólos antitéticos que não se resolvem. Pelo contrário, a história é ontologicamente dialética. A transição socialista que opera no século XXI deve levar em consideração a tragédia da transição socialista no século anterior.


Uma teoria da transição implica discutir:


Como efetuar a transição socialista nas condições de sociedades complexas sob o risco da burocratização e do mercado mundial desenvolvido de forma plena?


Como operar a transição socialista num só país sem se fechar ao mercado mundial e operar contraditoriamente com a lei do valor sem subsumir-se a ela ?


Isto sem desprezar a questão do desenvolvimento das forças produtivas no sentido da materialidade objetiva e - o mais difícil - a materialidade subjetiva – isto é, a formação de sujeitos humanos capazes de auto-emancipar-se do capital.


O tema da formação de sujeitos capazes de auto-emancipar-se do capital é um tema desprezado pela esquerda marxista que supõe que a classe revolucionária do proletariado nasce feita e só cabe a ela fazer a revolução social para além do capital. Esta é uma visão messiânica do marxismo!


Na verdade, a força da produção destrutiva do capital demonstrou que o fetichismo da mercadoria e o poder da ideologia extirpam do horizonte da classe a rebeldia para além do capital - pelo contrário, as forças do consumismo e da conformação cotidiana à forma-mercadoria operam novas formas de consentimento á ordem férrea do capital. Fazer a revolução social e a transição socialista na era do capitalismo destrutivo é deveras mais problemático do que no passado quando as forças férreas do sociometabolismo do capital não estavam consolidadas. Esta consolidação histórica das forças de subjetivação estranhada do capital denomina-se sociometabolismo da barbárie.



Foi a problemática da “crise estrutural do sistema do capital” que colocou no horizonte da teoria da transição histórica – tal como vivemos hoje - a distinção fundamental entre “capital” e “capitalismo”. Na transição socialista operam vorazmente - como forças “afetadas de negação” - os elementos do capital. Como salientamos acima, nela encontramos mercadoria e antimercadoria, dinheiro e anti-dinheiro, Estado e o anti-Estado (democracia popular), valor e anti-valor (valor de uso) e mais ainda como germe do comunismo, o contra-valor. Discutir a teoria da transição socialista implica discernir o conjunto de tais elementos contraditórios que se impõe a partir do campo de forças da crise estrutural do capital.


Mas a crise estrutural é do capital e não apenas do capitalismo. Isto significa que ela não se resolverá apenas “indo além do capitalismo”. A transição socialista no século XXI possui deste modo, maior dramaticidade histórica do que aquela do século XX pois as forças da reação capitalista sob pressão do mercado mundial – a lei do valor – não podem ser subestimadas. Incapaz de ir além do capital tendo em vista os limites da experiência da transição histórica (o socialismo num só país), o capitalismo pode se recompor na forma do antivalor que não vai para além de si (o contravalor) e depois, o restabelecimento pleno do valor (o setor capitalista) a partir do qual se subsume a velha miséria.

Na verdade, a distinção que Meszáros fez entre capital e capitalismo tem um valor epistemológico: ela nos faz entender o capital como uma profunda força (pulsão) de regressividade histórica.


O capital precede o capitalismo em milhares de anos e pode sobreviver ao capitalismo, como no caso da ex-União Soviética e hoje, da China socialista, cuja estrutura hierárquica de comando do capital subsistiu e a divisão de trabalho permaneceu intacta - salientemos mais uma vez, a transição socialista não é o comunismo. Portanto, existem no socialismo as personificações do capital “afetadas de negação”.


No caso da URSS, a “expropriação dos expropriadores”, a eliminação “jurídico-política” da propriedade, realizada pelo sistema soviético, “deixou intacto o edifício do sistema de capital”. Assim como existia capital na fase pré-capitalista, sua continuidade e vigência persistiu na URSS e demais países do Leste Europeu por várias décadas do século XX. Estes países, embora tivessem o que Mészáros denominou “sistema de capital pós-capitalista”, foram incapazes de romper com o sistema de sociometabolismo do capital.


No caso da China, a situação é mais extrema: o “socialismo de mercado” permitiu que o setor capitalista se desenvolvesse lado a lado, com o setor socialista (público-estatal). A experiência chinesa expõe não apenas a persistência da divisão social hierárquica do trabalho, mas de outro elemento básico que configura o domínio do capital: o mercado. Entretanto, nesse caso, o mercado que opera na China está subsumido ao domínio do Anti-valor. Assim, reconhecemos a legalidade da etapa socialista da China enquanto uma fase de transição onde a lei do valor opera sob o domínio do Anti-valor.


O capitalismo é uma das formas possíveis de realização do capital, uma das suas variantes históricas para alcançar plenamente a acumulação de lucro e expansão de mercado. Na verdade, o capitalismo é a forma suprema de manifestação do capital, forma sociometabólica acoplada à relações capitalistas de produção baseadas na plena efetividade da lei do valor (o mercado mundial).


Por outro lado, o socialismo é a forma transitório do capital “afetado de negação” operando sob o domínio do Anti-valor. A superação da fase socialista ocorrerá com a afirmação do contra-valor que tem como representação social, o sistema comunal.


Enquanto o Estado socialista opera o anti-valor, o sistema comunal para além da forma do Estado político, opera o contra-valor.


Foi o desenvolvimento do sistema capitalista enquanto uma fase histórica particular da produção de capital, que permitiu no plano epistemológico, que desvelássemos os fundamentos de produção do capital:


1) a produção para a troca de mercadoria, sendo o valor de troca predominante ao valor de uso;

2) a força de trabalho torna-se mercadoria;


3) a motivação do lucro é a força reguladora fundamental da produção;


4) a máxima extração da mais-valia pelo capitalista para produção do excedente e aumento ilimitado do lucro;


5) o capitalista é o proprietário exclusivo da mais-valia extraída;


6) os imperativos econômicos de crescimento e expansão de capital tendem à integração globalizada, por intermédio do mercado internacional, como um sistema totalmente interdependente de dominação e subordinação econômica – o que implica o conceito de colonialismo e imperialismo.


Portanto, a distinção fundamental entre capital e capitalismo não é meramente teórica, pois tem implicações práticas para o presente e para o futuro, já que o desafio fundamental no século XXI é a superação do capital e não apenas do sistema capitalista.


Mas isto não ocorre por vontade politica mas pela realização dos pressupostos históricos necessários indicados acima: o comunismo não deve correr num só país, as força produtivas devem se desenvolver na transição socialista – entendido isto não apenas como desenvolvimento da ciência e tecnologia, ou redução dos limites naturais; mas o desenvolvimento da subjetividade de classe capaz de ir além de si mesmo (a “consciência de classe para-além-de si, como diria Mészáros) e sujeitos capazes de auto-emancipar-se e construir uma sociedade humana livre.


Como afirmamos acima, os parâmetros socioeconômicos (e políticos) do capital – que assumem pleno desenvolvimento com o capitalismo (a divisão social hierárquica do trabalho, mercado, mais-valia, lucratividade, acumulação de capital, expansividade da lei do valor e imperialismo), nesta fase de desenvolvimento histórico, não tem mais compromisso com o processo civilizatório (a fratura metabólica entre o capital e a Natureza tornou-se flagrante com o capitalismo do século XXI).


Caso não sejam abolidos no decorrer da transição socialista, podem inviabilizar o novo modelo civilizacional e promover o retorno das formas arcaicas pretéritas destrutivas do capital (como aconteceu logo após o fim da URSS em 1991).


O desafio histórico da transição socialista na China e da transição geopolítica global - ao lado do enfrentamento da transição demográfica, transição epidemiológica e da transição ecológica – é o maior desafio da humanidade no século XXI.


A incapacidade de rompimento do sistema do capital na URSS no século XX é o espectro histórico que ameaça a experiência chinesa e todas as experiências socialistas que ainda operam sob o capital.


Os problemas reais da transformação socialista não podem ser apreendidos sem o completo conhecimento de que o capital e a produção de mercadorias não só precedem, mas também necessariamente sobrevivem ao capitalismo – sendo necessário uma ação politica a partir da nova materialidade social, capaz de detê-los - regular, controlar e abolir enquanto forças sociais efetivas.


Mas enfatizar a permanência da natureza mais profunda do capital desde a sua forma subdesenvolvida até a plenamente madura, não é de forma alguma sugerir que o capital pode fugir às restrições e limites da história, inclusive à delimitação histórica de seu período de vida.


O papel socialmente dominante do capital em toda a história moderna é óbvio. No entanto, é necessário explicar como é possível que, sob certas condições históricas, uma dada “natureza” (a natureza do capital) se desdobre e se realize - de acordo com sua natureza objetiva, com suas potencialidades e limitações inerentes - seguindo suas próprias leis internas de desenvolvimento (apesar até dos antagonismos mais violentos, com as pessoas negativamente afetadas por seu modo de funcionamento), desde a forma subdesenvolvida até a forma da maturidade (Mészáros, 2011, p. 184).

No caso – por exemplo - da transição socialista na China, a questão é saber até que ponto as condições históricas de desenvolvimento do capital (as novas bases tecnológicas e a natureza do Estado socialista), diferentemente da URSS, podem efetivamente obstaculizar as leis internas de desenvolvimento do capital com suas potencialidades e limitações inerentes que se manifestaram no século XX.


Nesse caso, o elemento de peso é a luta de classes – política, ideológica, cultural e geopolítica – interna (e externa) à nova formação socialista, que deve enfrentar a contradição inerente a tal desenvolvimento interno do capital, que ao longo de muitos séculos permitiu formar um sistema poderoso, coeso e de natureza inalterável, que entrou em contradição com o desenvolvimento das forças vivas do trabalho humano na medida em que privilegiou a consecução de seus objetivos de acumulação da riqueza abstrata (valor) em detrimento de carecimentos radicais (valor de uso) – como uma vida plena de sentido - que se impõem na medida em que se desenvolve o processo civilizatório (a redução das barreiras naturais).


O capital não é uma simples relação, mas um processo contraditório, em cujos vários momentos sempre é capital. Nesse sentido, o sistema do capital e sua complexidade só pode ser analisada em sua totalidade a partir da constituição da sociedade burguesa, cujo ponto de partida e ponto de chegada é o capital.


A sociedade socialista ainda tem o capital como ponto de partida, mas na medida em que ela é ponto de chegada do capital, ela se nega enquanto transição socialista e operam as forças regressividade histórica do capitalismo.


A constituição do capitalismo tem origem nas formas de acumulação primitiva do capital, porém, o ponto de partida para a investigação de Marx é a sociedade burguesa, considerada por ele a mais desenvolvida e mais complexa organização histórica da produção e não as formas iniciais.


Diz Marx:


"A sociedade burguesa é a mais desenvolvida e diversificada organização histórica da produção. Por essa razão, as categorias que expressam suas relações e a compreensão de sua estrutura permitem simultaneamente compreender a organização e as relações de produção de todas as formas de sociedade desaparecidas, com cujos escombros e elementos edificou- se, parte dos quais ainda carrega consigo como resíduos não superados, parte [que] nela se desenvolvem de meros indícios em significações plenas etc. A anatomia do ser humano é uma chave para a anatomia do macaco. Por outro lado, os indícios de formas superiores nas espécies animais inferiores só podem ser compreendidos quando a própria forma superior já é conhecida. Do mesmo modo, a economia burguesa fornece a chave da economia antiga etc. (MARX, 2011, p. 84).


No caso das transições socialistas – observemos o uso plural do termo - a questão que se coloca é: como o processo da luta de classes do socialismo pode efetivamente desconstituir a forma histórica do capital que sobreviveu à abolição do capitalismo como modo de produção ?.


A sociedade pós-burguesa – que é a sociedade socialista - é a forma mais desenvolvida do capital enquanto forma social “afetada de negação”.


Nesse caso, o socialismo deve ser superior – em termos materiais – objetivos e subjetivos - no sentido pleno, ao capitalismo para que possa, a partir dele mesmo, desenvolver as significações plenas para além do capital enquanto possibilidade histórica.


Não se trata de determinismo histórico na medida em que, se o desenvolvimento da sociedade burguesa operou sob o signo da luta de classes (o capitalismo não era inevitável), o mesmo deve ocorrer sob a sociedade pós-burguesa – mas nas condições materiais mais desenvolvidas do que aquelas de 1917 na Rússia.


O princípio metodológico adotado por Marx acima teve como ponto de partida, a forma mais complexa, mais avançada do capital: a sociedade burguesa, para entender assim, as mais incipientes e primárias. Mas como dizemos, ir além da forma mais avançada do capital no século XXI, diferentemente daquele do século XIX, significa entender a sociedade socialista tão-somente enquanto possibilidade objetiva de “negação da negação”.


Na sociedade burguesa se manifesta o verdadeiro poder do capital - a divisão social hierárquica do trabalho - oculto sob o fetichismo da mercadoria.


Na sociedade socialista, o que deve se colocar de forma plena é a luta pela democratização substantiva do ser social para além da forma burguesa de democracia ou do poder despótico da ordem sociometabólica existente.


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