O capitalismo neoliberal matou a saúde pública. Não apenas no Brasil, mas no mundo, com destaque para países como os Estados Unidos, Austrália, Canadá, Reino Unido e União Européia. A manchete da The Economist de 15/01/2023 foi "Por que os serviços de saúde estão um caos em todo lugar".
O neoliberalismo matou a saúde pública não apenas por debilitar o sistema de saúde pública, cortando o gasto público em saúde e fazendo parcerias público-privadas que se tornaram formas de transferência de renda do fundo público para empresários da Indústria da Saúde. Antes mesmo da pandemia, o quadro de degradação do SUS (Sistema Único de Saúde) era evidente.
Com poucos meses de governo, o Ministério da Saúde do governo Lula tem tratado a questão da saúde pública de forma burocrática, demonstrando a inépcia da esquerda liberal em enfrentar o novo tempo histórico. Cumpre apenas o trivial numa época histórica que exige acima de tudo, ousadia e coragem em enfrentar o Estado neoliberal e as forças políticas poderosas que "privatizaram" a saúde pública, transformando-a num big business.
O que temos visto é - por exemplo - o Ministério da Saúde colaborar com a subnotificação e a ocultação dos casos de Covid-19, tratando a pandemia apenas com campanhas de vacinação. Evita dar visibilidade às ocorrencias da doença visando alertar a população sobre os riscos da Covid-19. Nada diz sobre a imprtância do uso de mascaras. Recusa a fazer a educação sanitária da população evitando alertar sobre um virus que ainda circula pela sociedade.
A inépcia em politizar a questão da saúde pública - questão estratégica na luta contra o capital no século XXI - demonstra a falência política e ideológica da esquerda brasileira (petistas, comunistas e socialistas).
Existe algo de muito sério ocorrendo no Brasil neoliberal.
Vejamos o Gráfico abaixo sobre Óbitos totais no Brasil de 2015 a 2023. Verificamos a tendencia de crescimento do número de óbitos desde 2015 - portanto, antes da pandemia de 2020. Vivemos uma crise sanitária profunda que se manifesta pelo "excesso de óbitos".
No Gráfico abaixo, a dinâmica do "excesso de óbitos" torna-se mais visivel, principalmente a partir de 2018 quando o aumento de mortes se combinou com a queda de nascimentos no Brasil. É isto que explica a aceleração historicamente inédita do processo de envelhecimento populacional.
Este fato social coloca a necessidade candente do fortalecimento do SUS; e não apenas isso - a necessidade da reformulação estrutural do sistema de atendimento e cuidado da saúde no país ao lado do fortalecimento do complexo industrial público de saúde, evitando a rendição do país à estratégia de negócios das Big Pharma.
É preciso aprimorar e valorizar profissionalmente, os quadros da saúde pública (médicos, psicológos, enfermeiros e atendentes) que enfrentam hoje, não apenas a desprofissionalização com baixos salários e carga excessiva de trabalho. Mais contratação direta pelo Estado já!
É preciso enfrentar a crise ético-moral da formação profissional de médicos no Brasil. Todo o sistema de formação em medicina (público e privado) está orientado para o ethos do mercado ("classe média"), afetando a qualidade dos atendimentos tendo em vista o predominio da ética do dinheirismo.
É preciso abolir a Gestão neoliberal de Metas no serviço público em geral!
Mas a privatização da saúde pública ocorre também quando se transforma o adoecimento - fisico e mental - em problema privado. Privatizou-se assim, o que deveria ser tratado pela sociedade como problema social. E mais ainda: problema político. O “salve-se quem puder” da política de “Conviver com a Covid-19” ( by USA) reforçou a privatização da saúde pública.
Nas sociedades neoliberais tornou-se normal individualizar o que é fundamentalmente público. Na falta do Estado social, de sindicatos e de partidos de esquerda, a mídia e as Igrejas neopentecostais ocuparam o espaço da subjetivação estranhada.
Mas o que a significa efetivamente a morte da saúde pública?
Ela significa a vigência da “superexploração destrutiva do trabalho”; ou a produção destrutiva do trabalho vivo. É a máquina capitalista de "matar os mais fracos"!
Assim, estamos diante não apenas do debilitamento da força de trabalho por conta do seu consumo destrutivo no processo de produção do capital, mas da degradação das condições de produção (e reprodução) do trabalho vivo e portanto, a destruição das forças produtivas vivas da sociedade.
Mais de 80% das mortes globais relacionadas à COVID-19 entre 2020 e 2021 ocorreram entre pessoas com 60 anos ou mais, de acordo com dados publicados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) no Relatório Semanal de Morbidade e Mortalidade. Com base nos números coletados até dezembro de 2022, a cobertura mediana de vacinação da série primária da COVID-19 entre 154 países relatores foi de 59%. Para pessoas com 60 anos ou mais, a cobertura mediana de vacinação foi de 76%, variando de uma baixa de 33% em países de baixa renda a 90% em países de alta renda. Esses números estão abaixo da meta da OMS de vacinar 100% das pessoas em risco globalmente.
Esta crise sanitária global significa que o trabalho vivo tornou-se obsoleto para a ordem senil do capital. Na medida em que o capital se desssubtancializou, por conta do aumento da sua composição orgânica (trabalho morto em detrimento do trabalho vivo), a força de trabalho tornou-se virtualmente "inútil". Aumentou a superpopulação relativa excedente e redundante. É por isso que, com o aprofundamento das contradições fundamentais do sistema, observamos a desvalorização das pessoas humanas.
A superexploração destrutiva do trabalho vivo significa a degradação da saúde – física e mental – do trabalho vivo, não apenas enquanto força de trabalho como mercadoria consumida no processo de produção do capital (o consumo destrutivo da força de trabalho), mas por conta da degradação das condições de reprodução social do trabalho vivo (a precarização da vida das pessoas que trabalham).
Por isso, a problemática da saúde pública tornou-se tão importante no século XXI.
O tema da saúde pública tornou-se tão importante para o futuro da humanidade que sua discussão não pode ficar a cargo apenas dos especialistas de plantão – médicos, psiquiatras e psicólogos, que na maioria das vezes, fazem o jogo do capital, pois são incapazes de politizar o debate sobre a saúde pública.
Na verdade, médicos, psicológos e especialistas da saúde pública são cúmplices da morte da saúde pública quando não politizam a questão dos adoecimentos, individualizando-os e reificando as vítimas. Agem de forma corporativa sem questionar por exemplo, o Estado neoliberal e a cultura da necropolítica.
Existe em operação mecanismos sistêmicos que produzem a destruição do trabalho vivo redundante e excedente às necessidades de acumulação do capital.
Por um lado, a superexploração do trabalho e a “nova precariedade salarial” caracterizada pelo trabalho intensivo, são mecanismos da produção destrutiva do trabalho vivo.
Mas por outro lado, temos a degradação das condições da existência social do trabalho vivo que contribuem para a produção de doenças - físicas ou mentais. Por exemplo, as Doenças Crônicas não-Transmissíveis (ou DCNT), doenças cardiovasculares, câncer, diabetes e doenças respiratórias crônicas e violências têm gerado todo ano, elevado número de mortes prematuras (em 2014 no Brasil, elas foram responsáveis por 72% da mortalidade no país, sendo mais prevalentes no contingente empobrecido da classe trabalhadora.
A conjunção perversa da produção social das doenças e o debilitamento das instituições de saúde pública opera como um modo de produção destrutiva da força de trabalho ou a “superexploração destrutiva” do trabalho vivo.
Ao expor a população trabalhadora mais velha e idosa (a força de trabalho ativa ou inativa), aos riscos das doenças físicas e mentais, o Estado capitalista tornou-se o operador da superexploração destrutiva do trabalho vivo.
Por exemplo, desde 2020, a forma de enfrentamento da pandemia do novo coronavírus pelo Estado capitalista explicitou sua função social de operador da “necropolítica” do capital: por um lado, negando a pandemia (a política da “nova direita”); e por outro lado, enfrentando a Covid-19 apenas com campanhas de vacinação e incentivando a circulação das pessoas sem a proteção sanitária (a política da esquerda liberal).
É preciso dizer: estamos na "era dos adoecimentos".
Mesmo com a queda da taxa de letalidade da Covid-19, infecções e reinfecções têm causado “Covid Longa” e ocasionado mortes não-notificadas como covid-19. Em 2022, a maioria dos países do mundo continua a apresentar uma mortalidade maior do que o esperado. Existe um movimento de destruição do trabalho vivo mais fragilizado. É a lógica do novo higienismo social do capital.
Nas condições da transição climática (ondas de calor extremo) e do envelhecimento demográfico global, a destruição do trabalho vivo deve se agravar.
Por conta do excesso de óbitos, caiu pela primeira vez desde 1958-1961, o índice de expectativa de vida global.
Outro exemplo de produção destrutiva do trabalho vivo são as deaths of despair nos EUA. As “mortes por desespero” é um termo usado para descrever um fenômeno no qual indivíduos morrem prematuramente devido a fatores como overdose de drogas, abuso de álcool e suicídio, muitas vezes como resultado de dificuldades econômicas, isolamento social e sensação de desesperança (de abril de 2020 a abril de 2021, 100.000 mortes por overdose de drogas ocorreram nos EUA, um aumento de 28,5%. ao longo do ano anterior).
O termo ganhou destaque nos Estados Unidos nos últimos anos, quando os pesquisadores observaram um aumento nas taxas de mortalidade por essas causas, principalmente entre indivíduos brancos de meia-idade sem educação superior, o contingente da classe operária atingida pela desindustrialização e emprego precário nos EUA. Portanto, o contingente da classe operária incapaz de adaptar-se à nova divisão social do trabalho, tornou-se “refugo” (ou “resto”) da produção do capital. Interessa-lhe destruir os ditos “inúteis”, a população operária que “sobra”, os “improdutivos” redundantes.
O “desastre” da saúde pública tornou-se funcional à reprodução autodestrutiva do capital.
A manipulação midiática cumpre o papel de “naturalizar” (ou fetichizar) a catástrofe sanitária, “individualizando” as tragédias pessoais. O fetichismo social opera-se pela manipulação dos desejos e afetos mais profundos da alma humana (o medo da morte e a paixão pela normalidade social).
Diante da crise estrutural do capital, aumentou-se a pressão do sistema produtor de mercadorias sobre o trabalho vivo, obrigando-o a comprovar a sua "viabilidade produtiva" ou, pelo contrário, perecer. “Os mais fracos não têm vez” – diz o lema da produção destrutiva do trabalho vivo.
A lei do valor na economia globalizada representou a maior imposição do sistema “totalitário” do capital globalmente dominante e seu critério de viabilidade a tudo, “desde as menores unidades de seu 'microcosmo' até as maiores empresas transnacionais, das relações pessoais mais íntimas aos processos decisórios mais complexos em consórcios monopolistas industriais, sempre favorecendo o mais forte contra o mais fraco".
A globalização capitalista e a generalização da superexploração do trabalho representam a efetividade da lógica destrutiva do capital por meio da degradação da subjetividade (corpo e mente) do trabalho, reduzindo-o à condição de uma objetividade reificada – um mero ‘fator material de produção descartável, “sem valor” [...]”. Essa é a tendência que vem se acentuando no capitalismo global e que diz respeito àquilo que Mészáros identificou como sendo a “taxa de utilização decrescente do valor de uso”.
A taxa de utilização decrescente do valor de uso se aplica não apenas aos produtos-mercadorias, mas à principal mercadoria, a força de trabalho, desvalorizada pelo movimento do capital em processo. Com a Quarta Revolução Industrial (robotização, automatização, Internet das coisas, Inteligência Artificial), a obsolescência do humano no processo produtivo do capital tornou-se flagrante. A desubstancialização do capital inaugura a era da barbárie social. Ao degradar (física e mentalmente) a pessoa que trabalha por conta da perspectiva da sua inutilização, .
Comments