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A miséria da política no Brasil - 2



Estou dando continuidade à publicação do extrato -a Introdução - do livro "O Estado neoliberal no Brasil: Uma tragédia histórica" de minha autoria. Este é um livro que discute o que é o Estado neoliberal e como tal materialidade política do capital domina há mais de trinta anos o Brasil. Torna-se urgente esclarecer o que é o Estado neoliberal no Brasil e como os governos eleitos desde 1989 - do PSDB, PT e PL - só reproduzem tal sistema de dominação da oligarquia financeira.


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Além de esclarecer o que é o Estado neoliberal, nosso livro busca criticar a esquerda brasileira, que renunciou à crítica do Estado neoliberal, limitando-se a operar a ordem dominante, administrando-a e, enquanto suposta esquerda, tentando torná-la mais humana, mas sem promover um projeto (ou ação) contra-hegemônica. Essa postura política da esquerda social-liberal, representada pelo PT (Partido dos Trabalhadores), esgotou-se e hoje se encontra rendida ao Estado neoliberal.


O horizonte da luta política dessa esquerda social-liberal — como a chamaremos — resume-se à vitória eleitoral e à governabilidade dentro da ordem neoliberal. Enquanto a direita neoliberal e a extrema-direita são contra-reformistas, a esquerda social-liberal administra a nova materialidade política e social resultante da nova ordem neoliberal, limitando-se a "reformas de baixa intensidade". No fundo, ela não possui uma estratégia de contrapoder, mas se dedica a táticas de luta política focadas em eleições, reeleições e ocupação de cargos nas instituições do Estado.


A esquerda neoliberal não é uma esquerda reformista, como era a esquerda social-democrata, mas sim uma esquerda contra-reformista. Por isso, podemos afirmar que a esquerda brasileira faliu de uma vez por todas, à medida que todo seu espectro politicamente relevante — PT e PSOL — incorporou as características estruturais da política burguesa no Brasil, como descreveremos a seguir. Esta é a maior tragédia histórica do Brasil.


As formas ideológicas da miséria da praxis política alienada, que têm caracterizado nosso sistema político, servem para reproduzir a ordem do capital. Essas formas alienadas de politicidade do capital aderiram à praxis política, provocando uma distorção irremediável. Ao incorporar essas determinações da politicidade alienada do capital, a esquerda social-liberal contribuiu para a morte da política e da democracia liberal, ao se identificar com seus oponentes históricos. Embora se apresente como alternativa à direita neoliberal, a esquerda social-liberal tornou-se cada vez mais incapaz de mudar a ordem burguesa, que hoje não consegue atender às demandas civilizatórias.


A morte da política — que é também a morte da esquerda — é uma operação fundamental da ofensiva neoliberal do capital. O capital subsumiu a política de esquerda, degradando-a da mesma forma que degradou o trabalho, o consumo, a cultura e a sociedade. Isso configura o novo sociometabolismo do capital ou o sociometabolismo da barbárie no plano da praxis política. Incapaz de oferecer um projeto civilizatório, o capital produz o sociometabolismo da barbárie.


No caso de países de capitalismo dependente, hipertardio e com formação escravista-colonial, a degradação da política sempre foi uma estratégia de dominação da classe dominante. Contudo, em décadas passadas, havia movimentos de oposição de esquerda capazes de vislumbrar a grande política. Na década de 1980, quando se criou o PT, por exemplo, havia um horizonte para a grande política, apoiada em uma base organizada da classe. À medida que o capital desmantelou a classe operária, também desmantelou sua representação política. Foi isso que mudou com a ofensiva neoliberal do capital — a subsunção da política de esquerda ao capital.


A miséria da política brasileira não foi criada pelo capitalismo neoliberal. Nossa tradição política oligárquica e golpista, há séculos, degradou a atividade política das massas, esvaziando seu valor fundamental. A pequena política, com sua constelação de atributos alienados, domina a praxis política desde a Proclamação da República em 1889.


Portanto, não é novidade a cultura do fisiologismo e oportunismo, prática da direita conservadora nacional, impregnada pelo taticismo. A política foi reduzida a um jogo de interesses esvaziados de ideologia, moldado pelas conveniências do momento. A forma autocrática de dominação burguesa no Brasil contribuiu para esvaziar o valor da política como instância para a transformação social. Isso explica a despolitização ontogenética da sociedade brasileira. "Política não se discute", diz o ditado popular. A cultura da despolitização, que impregna o imaginário popular, reforça o fisiologismo (ou metabolismo político) da dominação oligárquico-burguesa.


A tragédia do Brasil é que, após uma década de transição para a democracia política, o país se rendeu à ofensiva neoliberal, que, por natureza, é hostil à socialização da política e à democratização da sociedade.


A Nova República estava condenada no ato. Assim, elevou-se a um patamar superior a miséria política brasileira, com a esquerda social-liberal incorporando-se a ela ao renunciar à transformação do Estado neoliberal, limitando-se a um projeto de governo. A era do capitalismo neoliberal é a era de decadência histórica do capital, em razão de sua crise estrutural. Dessa forma, todos os valores caros à civilização burguesa, oriundos da Revolução Francesa, perdem sentido.


A democracia liberal, esvaziada de seu significado real, diante da precarização estrutural do trabalho, entra em profunda crise, junto com o sistema político. A ascensão da extrema-direita é o atestado de óbito da democracia liberal.


Após a década neoliberal, a política entrou em uma era de indeterminação . O capitalismo terminal, tornado farsesco, rebaixou a democracia política ao que ela realmente é: um significante poderoso, mas impotente diante da concentração de renda e da desigualdade social, do abismo entre ricos e pobres. A democracia burguesa perde seu valor na era neoliberal porque se torna irrelevante diante da incapacidade visceral do Estado neoliberal de resolver a Questão Social no século XXI. Por não ser uma democracia substantiva e de valor universal, transforma-se em uma democracia acessória, desvalorizada pelas massas insatisfeitas, que, ao contrário, cultivam o ódio à democracia .


A pequena política e praxis politica alienada


A distinção entre "grande política" e "pequena política" é um conceito do marxismo de Antonio Gramsci, fundamental para caracterizar não apenas a política na era neoliberal, mas também a política historicamente dominante no Brasil desde a fundação da República. A pequena política sempre esteve presente, e o que fazia a diferença era a atuação da esquerda. A pequena política representa a miséria da prática política, em torno da qual gravitam diversos atributos alienados. Ela é uma ideologia da práxis política que a classe dominante brasileira sempre cultivou e disseminou tanto na sociedade civil quanto na sociedade política.


Os conceitos de "pequena política" e "grande política" formam um par conceitual que serve não apenas para definir traços decisivos do conceito geral de política, mas também aparece como um elemento essencial naquilo que Gramsci chama de "análise das situações" e "relações de força". O predomínio de uma ou outra forma de ação política — seja a "pequena" ou a "grande" política — é decisivo para determinar qual classe ou grupo de classes exerce a dominação ou a hegemonia em uma situação concreta, e de que modo o faz. Segundo Antonio Gramsci:


"Grande política (alta política) e pequena política (política do dia a dia, política parlamentar, de corredor, de intrigas). A grande política abrange as questões ligadas à fundação de novos Estados, à luta pela destruição, defesa ou conservação de determinadas estruturas orgânicas econômico-sociais. A pequena política abrange as questões parciais e cotidianas que surgem dentro de uma estrutura já estabelecida, decorrentes de lutas pela predominância entre as diversas frações de uma mesma classe política."


A hegemonia ancestral da burguesia brasileira degradou historicamente a práxis política, obstruindo qualquer movimento de catarse, elemento central da práxis política segundo Gramsci. Lembrando o conceito gramsciano de "catarse", podemos afirmar que apenas a "grande política" realiza o "momento catártico", ou seja, a passagem do particular ao universal, do econômico-corporativo ao ético-político, da necessidade à liberdade. Gramsci nos adverte, contudo, que "é grande política tentar excluir a grande política do âmbito interno da vida estatal e reduzir tudo à pequena política" . Isso foi o que a burguesia brasileira fez historicamente: excluir a grande política do horizonte prático e sensível das massas.


Em outras palavras, para as classes subalternas, o predomínio da pequena política é sempre sinal de derrota. No entanto, esse predomínio pode ser — e frequentemente é — a condição para a supremacia das classes dominantes. Quando a esquerda social-liberal, a partir da década de 1990, renunciou a operar a transição do particular ao universal, do econômico-corporativo ao ético-político, e da necessidade à liberdade — ao abdicar, por exemplo, da luta pelo socialismo — consolidou a supremacia da pequena política. Essa foi a grande derrota histórica que permitiu a consolidação do Estado neoliberal.


A oposição entre "grande política" e "pequena política" também se aplica à ação dos intelectuais. O "Grande Transformismo" não se limitou à práxis política, mas também envolve a atuação intelectual. O cerne do Grande Transformismo foi justamente isso: o predomínio da pequena política em detrimento da grande política, no sentido do abandono da perspectiva da totalidade social e da classe social que permitiria um horizonte além do capitalismo e a elaboração de uma perspectiva socialista.


O fato de a esquerda ter sido reduzida à pequena política não impede que a burguesia seja forçada a praticar a grande política. A pequena e a grande política não se resumem a uma distinção entre reação e progresso. Na era do capitalismo neoliberal, a burguesia conduziu a grande política no sentido da reestruturação capitalista, operando contra-reformas e processos de subjetivação catárticos às avessas.


Se o "momento catártico" representa a passagem do particular ao universal, do econômico-corporativo ao ético-político, da necessidade à liberdade, o momento catártico às avessas representa a produção de subjetivações particularistas, incapazes de agir na perspectiva ético-política, resultando no sociometabolismo da barbárie. Ao imiscuir as massas proletárias e a esquerda política e social na pequena política, com a estreiteza de programas e a debilidade da consciência nacional, a burguesia demonstrou um imenso esforço para impedir qualquer mudança radical. E esse esforço imenso da burguesia é, em si, uma grande política.


Politicismo e pequena política


O politicismo é a redução da praxis política a si mesma, esvaziando-a de conteúdo material na perspectiva de classe. Trata-se de um jogo performático que transforma a política e o discurso da vontade política em meras promessas, negligenciando a objetividade do ser social, sobretudo a dimensão econômica. A política torna-se, assim, uma manipulação do imaginário popular, afastando-se das realidades sociais concretas. Semelhante à "pequena política", o politicismo sempre caracterizou a política brasileira, sendo uma marca do discurso da direita conservadora e tradicionalista. Esse fenômeno é reforçado pelo sistema político e pela representação alienada da sociedade. Uma vez eleito, o político se distancia dos eleitores, mantendo uma equidistância que lhe permite usufruir da autonomia reativa do mandato eleitoral.


Ao incorporar o politicismo como ethos político, a esquerda social acaba por se submeter à miséria política do capital, tornando-se incapaz de projetar um horizonte além da ordem burguesa. A ideologia do politicismo exalta a vontade política, desprezando a crítica da materialidade institucional, social e ideológica dentro da qual essa vontade opera. O taticismo, por sua vez, é o modus operandi do politicismo, revelando a miséria intrínseca à


Um dos pensadores que utilizou o termo "politicismo" foi o filósofo marxista brasileiro José Chasin. Em suas análises sobre a política no contexto da formação social brasileira, Chasin trabalhou com o conceito de "ontonegatividade da politicidade", referindo-se à negação da política ou da politicidade como um componente ineliminável da vida social. Ele buscou esclarecer um aspecto central do pensamento de Marx: a crítica à política, que vai além da crítica da economia política. Chasin remeteu à fundamentação ontológica dessa crítica, tratando-a com o rigor e a profundidade que a originalidade de Marx requer. Para Chasin, a compreensão da relação entre a atividade política e a existência social, entre o ser social e o Estado, possibilita aos leitores de Marx resgatar o sentido profundo de sua proposta filosófica: a emancipação humana. Ele argumentou que a prática política, por natureza, é irresolutiva, e que é uma ilusão castradora depositar nela a esperança de que as questões humano-societárias possam ser efetivamente resolvidas por meio da política. Assim, para Chasin, o politicismo é uma ilusão que impede a verdadeira emancipação humana, ao atribuir à política um papel que ela não pode desempenhar.


Dessa forma, o politicismo, tal como a ilusão (ou alienação) religiosa, é a ilusão (religião) da política. Ele permeia todas as formações capitalistas, sejam elas desenvolvidas ou não. O "blá-blá-blá" da política é o politicismo. Contudo, a miséria da política assume muitos nomes. Entre nós, o politicismo pode ser historicamente entendido como o fisiologismo que caracteriza a politicagem – todas expressões de uma das mais sombrias alienações da vida social: a alienação da política. O capitalismo manipulatório exacerba essa alienação, tornando a política a religião laica do sistema capitalista.


A crítica da politicidade moderna, cuja ideologia se encontra no politicismo, foi realizada por Karl Marx no início da civilização industrial capitalista. Marx criticou a política enquanto alienação do movimento social e da autoatividade (Selbstaktivität) dos produtores. Ele observou que a reflexão religiosa sobre o mundo real só desaparecerá quando as condições cotidianas da vida prática refletirem relações transparentes e racionais entre os homens e entre eles e a natureza. Para alcançar isso, é necessário socializar a política e, ao mesmo tempo, democratizá-la de forma radical. A política deixa de ser apenas uma atividade social entre outras e torna-se a própria autoatividade dos seres humanos. Como diz Marx:


“A figura do processo social da vida, isto é, do processo de produção material, só se desprenderá de seu véu místico e nebuloso quando, como produto de homens livremente socializados, estiver sob o seu controle consciente e planificado. Fazer isso, porém, requer uma base material para a sociedade ou uma série de condições materiais de existência que, por sua vez, são o produto natural de uma longa e dolorosa evolução histórica” .


Na sociedade comunista, o processo social da vida se libertará do véu místico e nebuloso de ilusões religiosas e políticas, ou seja, das formas alienadas que se opõem ao trabalho como poderes estranhos [fremde], autônomos. É o caso da democracia liberal representativa, cujos mandatos parlamentares se tornam poderes alienados da vontade popular, voltando-se contra ela na maioria das vezes.


O politicismo é o sacerdócio da política enquanto politicidade alienada pelo capital, reproduzindo a ilusão de que a vontade política pode resolver todos os problemas. Dessa forma, o politicismo, como ilusão da política, oculta as verdadeiras determinações do processo social da vida e mascara as causas reais dos males sociais. Como disse Marx:


"O princípio da política é a vontade. Quanto mais unilateral e, portanto, mais perfeito seja o entendimento político, tanto mais acreditará na onipotência da vontade, tanto mais resistirá em ver as barreiras naturais e espirituais que se levantam diante dela, e mais incapaz será, por conseguinte, de descobrir a fonte dos males sociais" .


Portanto, o horizonte do politicismo é a negociação e a conciliação com a ordem burguesa, e, consequentemente, com o território do Estado oligárquico-burguês como horizonte exclusivo de perpetuação da politicidade que reforça o Estado do capital. Um dos críticos do politicismo na esquerda brasileira, o filósofo José Chasin, observou:


"A negociação é a grandeza e a miséria da política. Grandeza por reconhecer os contraditórios e postular a via racional de sua resolução. Miséria porque a natureza de suas resoluções é sempre a prática da conciliação, que nunca leva a contradição até o fim para solucioná-la, mas apenas a contorna, de modo que ela retorna mais adiante. A negociação é algo como uma protelação, por impotência resolutiva, à espera de uma resolução futura, que a ultrapassa e não depende dela" .


Nossa tradição histórica político-senhorial de viés presidencialista, tende a reforçar a ideologia do politicismo, que, assim como o corporativismo, o clientelismo e o patrimonialismo, fazem parte do acervo ideológico do Estado oligárquico-burguês no Brasil. Na verdade, sendo o Brasil um país de fundo religioso, alimentado pelas classes dominantes, a verdadeira religião popular é o politicismo, e as outras são meras formas ideológicas que reproduzem a necessidade do politicismo (a proximidade entre pastores evangélicos e a política expõe o nexo orgânico entre alienação religiosa e politicismo).


Assim como a direita neoliberal, a esquerda social-liberal rendeu-se à tradição politicista como antecâmara da negociação e da conciliação. O abandono da organização de base e da luta ideológica, visando construir uma nova visão de mundo, decorre do culto à "pequena política", o politicismo, em detrimento da "grande política". Dessa forma, a esquerda se torna incapaz de fazer a crítica dos seus próprios fundamentos: a ordem estatal oligárquico-burguesa. Ela prefere, pragmaticamente, administrar essa ordem e usufruir das benesses dos mandatos e cargos.


O ethos do politicismo é profundamente pragmático, confundindo-se com o pragmatismo político. Ao mesmo tempo, o politicismo pragmático – que renuncia à estratégia e transforma a política em um espetáculo – é profundamente irracional, no sentido de abdicar da dimensão utópica da política e aderir, de forma oportunista, ao que é supostamente possível. No contexto da miséria brasileira, o irracionalismo que permeia a ordem social burguesa-oligárquica, exacerbado pelo novo ethos neoliberal, torna-se o pano de fundo do oportunismo que caracteriza a vida política, tanto à esquerda quanto à direita.


Com o Grande Transformismo da esquerda brasileira na década de 1990, o horizonte utópico da grande política da ideologia socialista, onde a solidariedade de classe era o fundamento ético-moral, se dissolveu, dando lugar à proliferação da política do oportunismo, que caracteriza a cultura do politicismo. O oportunismo é um traço de caráter que se transforma em ethos político, referindo-se à atitude de personalidades políticas e intelectuais, tanto de esquerda quanto de direita, que colocam o aproveitamento de circunstâncias favoráveis acima da ideologia de classe e das convicções ideológicas, visando obter benefícios para si ou para seu grupo político, sem se importar com princípios ideopolíticos, éticos ou morais.


A era neoliberal é a era do oportunismo, enquanto corrupção do espírito em prol de interesses imediatos. A frase "a política é a arte do possível" é a expressão do politicismo. Assim, taticismo, politicismo e oportunismo representam a tríade superior da politicidade alienada pelo capital. No Brasil, essa tríade não surgiu com a era neoliberal, mas foi ampliada e cultivada pelas forças de esquerda social-liberal, que renunciaram a transcender o Estado político do capital, adotando o capitalismo como seu único (e possível) horizonte existencial.


Taticismo e a constelação da politicidade estranhada


Como parte da constelação da pequena política e do politicismo, temos um conjunto de expressões ético-políticas da politicidade alienada: taticismo, oportunismo, pragmatismo e burocratismo. Essas características compõem o quadro da miséria política, que é simultaneamente causa e efeito da dominação do Estado neoliberal a partir da década de 1990. Nossa crítica se dirige à esquerda brasileira, que, ao incorporar a politicidade alienada pelo capital, bloqueou qualquer projeto de emancipação social. Quando a esquerda escolheu a pequena política a partir da década de 1990, condenou a política enquanto praxis capaz de operar o momento catártico. O "momento catártico", ou seja, a passagem do particular ao universal, do momento econômico-corporativo ao ético-político, da necessidade à liberdade, é o elemento essencial da praxis política emancipadora. Ao reforçar o particularismo alienado do sociometabolismo do capital na era neoliberal, a esquerda social-liberal perdeu seu valor fundamental, o que explica a consolidação da nova hegemonia burguesa.


O taticismo é a renúncia à estratégia, entendida como um plano ou método para alcançar o poder do Estado – ou melhor, para construir um Estado de novo tipo. Enquanto a estratégia tem como fim a construção contra-hegemônica de um novo Estado, o taticismo se limita a operar táticas para conquistar posições dentro do Estado dominante. É a escolha política de atuar dentro do Estado neoliberal, visando governá-lo.


As forças políticas do capital, como a direita conservadora e tradicionalista, não precisam de uma estratégia – ou, talvez, a estratégia da burguesia seja justamente defender e conservar o status quo. Para isso, utilizam táticas de defesa ou de ataque às forças de esquerda. Por outro lado, as forças políticas das classes subalternas são obrigadas a operar tanto táticas quanto estratégias contra-hegemônicas, visando à construção de um novo Estado que represente seus interesses de classe.


No entanto, quando as forças políticas do trabalho se rendem à ideologia do capital, renunciam à sua estratégia contra-hegemônica, limitando-se a operar táticas com o objetivo de se tornar governo e ocupar posições dentro do aparelho de Estado capitalista. Nesse caso, adotam o taticismo, que representa a renúncia à construção de uma nova materialidade política hegemônica.


As forças políticas da classe dominante são taticistas por natureza, pois não precisam de uma estratégia – o Estado dominante e dirigente já lhes pertence. O fisiologismo faz parte de sua pequena política, e o taticismo caracteriza sua ação política. O taticismo é o ethos endêmico da política fisiológica no Brasil, sendo a maior expressão do politicismo que domina a politicidade alienada pelo capital.


A crise da ideologia socialista, marcada pela queda do Muro de Berlim e pelo fim da URSS, impulsionou a nova onda do Grande Transformismo da esquerda brasileira no início da década de 1990, criando a esquerda social-liberal de viés pragmático (o exemplo triunfante foi o PT de Luís Inácio Lula da Silva). Ao agir no imediato, essa esquerda corrompe a tática (de esquerda), pois não a transforma em uma determinação da estratégia.


Por exemplo, uma das bases da esquerda social-liberal foram os sindicalistas, verdadeiros operadores da cultura do taticismo. Por natureza, os sindicalistas possuem a expertise do taticismo, pois, na prática sindical, não buscam construir um novo ordenamento empresarial, mas sim garantir uma melhor participação em termos salariais na ordem existente. O sindicalista, por instinto econômico-corporativo, não deseja destruir a empresa, mas sim fazer com que ela pague melhores salários e ofereça melhores condições de trabalho.


Portanto, interessa-lhes o resultado econômico-corporativo imediato, capaz de garantir a sobrevivência tanto da força de trabalho quanto do capital. O ethos sindical na prática política produz a esquerda social-liberal – a forma da esquerda trabalhista, socialista ou comunista que renunciou à estratégia socialista e se entregou ao taticismo. Nesse sentido, a esquerda social-liberal faz alianças, garante palanques e calibra o discurso para conquistar o eleitorado no mercado de votos. Vencida uma eleição, começa-se a preparar-se para outra – e la nave va.


Na perspectiva do taticismo, o objetivo é garantir mandatos e perpetuar a ordem burguesa, afinal, confrontá-la pode ser perigoso para a sobrevivência da rotina democrática. A tradição da esquerda comunista brasileira é taticista há muito tempo, uma vez que o stalinismo, por exemplo, disseminou nos Partidos Comunistas a cultura do taticismo, isto é, a imersão na tática como uma etapa (o "etapismo") que resulta no esquecimento da estratégia. De certa forma, tanto o taticismo stalinista quanto o social-liberal são formas históricas de rendição à instrumentalidade da política como manipulação. Em contrapartida, a estratégia remete a uma visão da totalidade, capaz de abordar as formas sociais em seus processos.


O culto à tática tem suas consequências correlatas, como o desprezo pela teoria e pelo conhecimento como autoconsciência. No taticismo, o conhecimento necessário é apenas o prático-instrumental, voltado para pesquisas de opinião e estratégias de manipulação das massas. Na visão da esquerda social-liberal, não há consciência de classe, nem mesmo classe ou interesses de classe, mas apenas a consciência individual (psicológica) dos eleitores, que devem ser conquistados no mercado de votos.


O Grande Transformismo das forças políticas das classes subalternas alterou a natureza do partido, que deixa de ser um mediador entre teoria e prática para se tornar um operador de alianças e discursos voltados à conquista do voto-mercadoria. Não é mais o partido ideológico, mas sim o partido eleitoral que atua dentro do aparelho do Estado dominante.

O taticismo tem um sentido prático: é a forma política considerada racional para disputar cargos no aparelho de Estado (burocracia, Parlamento, Legislativo, Judiciário, etc.). Ao perseguir tanto o imediato, a esquerda social-liberal e seu público absorveram a ideia de

que não há horizonte além do Estado ou da materialidade política dominante do capital.


No fundo, o conformismo taticista é irracionalista, pois é profundamente cético em relação à capacidade humana de transcender o existente, tornando-se assim inimigo da utopia socialista. A utopia da esquerda social-liberal é a utopia do mercado de consumo. Ela se tornou a força política que legitima o triunfo do fetichismo da mercadoria.


O proletariado se rendeu à sociedade de consumo, e seu único horizonte é realizar o sonho de consumir mercadorias. Para um país como o Brasil, com uma massa de miseráveis ávidos por consumo e uma classe média hedonista e consumista, a esquerda social-liberal encontrou um amplo campo de desenvolvimento. Claro que, para haver consumo, é preciso haver capacidade aquisitiva, emprego e renda – eis a questão.


O taticismo leva a esquerda social-liberal a legitimar o poder e, em vez de disputá-lo efetivamente, a se acomodar a ele, adormecendo no berço esplêndido da governabilidade da ordem dominante. Afirma-se que a renúncia à estratégia, cada vez mais distante, está relacionada à correlação de forças. No entanto, ao renunciar à estratégia, o taticismo também abdica da construção de uma correlação de forças capaz de mudar o statu quo, pois seu horizonte é a materialidade política existente.


A ideologia da democracia fetichizou o Estado, reduzindo o jogo democrático à mera troca de cargos executivos e legislativos na administração do Estado por meio do voto. Na prática, consolida-se a ideia de que, de quatro em quatro anos, trocam-se apenas os administradores do Estado burguês. Assim como na democracia representativa (democracia liberal), a estrutura de poder de classe e o Estado se tornam pressupostos indiscutíveis da vida republicana.


O fetichismo do Estado, e consequentemente da democracia, é uma característica das sociedades burguesas produtoras de mercadorias. À medida que o capitalismo se fortaleceu historicamente, o poder do capital reforçou o fetichismo do Estado, visto como uma materialidade política alienada da sociedade, um horizonte eterno da politicidade moderna. No caso do Brasil, um capitalismo dependente e hipertardio, com uma sociedade produtora de mercadorias de extração colonial-escravista, o fetichismo do Estado se impõe de maneira terrível, já que não conseguimos enxergar nada além do Estado do capital.


É o poder do fetichismo do Estado que leva as forças de esquerda a renunciar a uma estratégia política para além do Estado do capital, aderindo ao taticismo ou ao jogo imediato (eleitoral). Elas disputam cargos na administração do Estado, mas não têm a capacidade política e social de ir além do Estado.


Portanto, o taticismo, assim como o politicismo, é o corolário da pequena política que perpetua mais do mesmo. A psicologia do taticismo deriva da natureza do politicismo, que cultua a positividade da política como espaço de reprodução do sistema – nada existe além da política.


No Brasil, o país do politicismo, tudo é política, mas entenda-se: pequena política para as massas proletárias e grande política para a classe dominante e seu projeto histórico de dominação social. A política se reduziu à imersão no jogo eleitoral em torno de nomes capazes de assumir mandatos e cargos para perpetuar a família partidária. No fundo, reproduz-se a materialidade política do Estado oligárquico-burguês. A política deixou de ser o "momento catártico", ou seja, a passagem do particular ao universal, do momento econômico-corporativo ao ético-político, da necessidade à liberdade. A pequena política, o politicismo e o taticismo tornaram-se a política dos escravos assalariados.


A renúncia ao projeto de emancipação social ou ao projeto de construção do controle social, em troca do projeto de administrar a ordem burguesa, produz resultados na forma da praxis política (o caso do PT é exemplar). No entanto, a relação entre praxis e projeto político não deve ser entendida como uma relação entre forma e conteúdo. Ou seja, a praxis não é a mera forma pela qual o aparelho de hegemonia formula, elabora e encaminha seu projeto político (conteúdo). Ao contrário, a praxis tem um peso decisivo na própria conformação do projeto e na sua transformação em política. Ao renunciar à praxis de organização e formação das bases, o PT conformou seu projeto transformista de adesão à administração da ordem burguesa – ou seja, renunciou a fundar um novo Estado político, diferente do Estado neoliberal.


A partir de uma clivagem básica, podemos considerar que a praxis política dos aparelhos de hegemonia (partidos e sindicatos, por exemplo) oscila entre dois polos, mediados pela separação entre governantes e governados: a reprodução e fortalecimento ou o esvaziamento e abolição dessa separação fundamental do universo da politicidade do capital. A adesão à pequena política e ao politicismo, com sua constelação de politicidade alienada, significa adotar uma praxis política que, em vez de abolir, fortalece a separação entre governantes e governados, alimentando o burocratismo, o eleitoralismo, o personalismo, o despotismo, o clientelismo, o patrimonialismo e o aparelhismo. Deixa-se de lado a democracia interna, a rotatividade nas funções dirigentes, a valorização da militância de base, o respeito pelas divergências, a busca do consenso como método permanente, o debate franco e aberto, etc. Foi isso que se viu com o Grande Transformismo do PT, onde os aparelhos de hegemonia (partido e sindicato) foram transformados em aparelhos de administração do Estado dominante.


O Grande Transformismo da esquerda na década de 1990 definiu a posição de partidos de esquerda e sindicatos diante do Estado: tornaram-se aparelhos explicitamente voltados para reproduzir a separação entre governantes e governados, seja na disputa política institucional, seja na construção de um contrapoder. Na verdade, é através da praxis que o projeto político se inscreve na materialidade social, deixando sua marca não apenas na lógica política, mas também na própria dinâmica social.


Para além das clivagens políticas definidas a partir das ideias políticas, da cultura política ou das ideologias, é a praxis política que desempenha um papel decisivo na capacidade dos agentes políticos de se inserirem na arena da disputa política. É observando a prática material que podemos inferir o verdadeiro projeto do partido de esquerda: reprodutor da pequena política ou formador de subjetividades capazes de fundar um novo Estado político e operar o momento catártico. A relação entre projeto e praxis constitui-se como um aspecto propriamente político da experiência das classes e grupos sociais em movimento, definindo sua capacidade de autorreconhecimento e sua própria sensibilidade política.


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