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A Cooperação Complexa - Parte 3



A terceira forma de produção do capital que denominamos “cooperação complexa" é o que o filósofo Ruy Fausto denominou "pós-grande indústria". Mas não se trata de uma "pós"-grande indústria, mas, sim da grande indústria na era do capitalismo tecno-informacional. O ponto de partida da cooperação complexa não é o revolucionamento da força de trabalho (como na manufatura), nem o revolucionamento da técnica (como na grande indústria), mas sim, o revolucionamento da relação homem-técnica tendo como base tecnológica, a nova tecnologia informacional-digital que se manifesta por meio da digitalização, robotização, Inteligencia Artificial. A nova materialidade tecnológica do capital impõe a necessidade da “captura” da subjetividade do trabalho pelo capital e cria um ambiente sociometabólico favorável à manipulação do self da pessoa que trabalha.

Com a grande indústria, o homem foi incorporado à tecnologia tornando-se apêndice da máquina. O trabalho morto subsumiu o trabalho vivo. Apesar disso, como vimos, o capital não eliminou o trabalho vivo, tornando-se ele extensão problemática do sistema de máquinas do capital. Incapaz de impedir que o trabalho vivo pense, o capital-máquina constituiu - com a cooperação complexa um novo nexo psicofísico capaz de fabricar homens com pensamentos mais conformistas e adequados à nova forma sociometabólica do capital.


Com a cooperação complexa que sucede à grande indústria, a forma-manufatura - a primeira forma de produção do capital - se repõe dialeticamente no interior do sistema de máquinas. Tal como na manufatura, o ponto de partida do revolucionamento do modo de produção capitalista na cooperação complexa é a força de trabalho, mas é outra força de trabalho diferente daquela da “acumulação primitiva” do capital (artesãos e camponeses). A força de trabalho que a cooperação complexa revoluciona é a força de trabalho que se encontra subsumida à máquina, isto é, o trabalho vivo reduzida a força de trabalho nas condições históricas do capitalismo manipulatório ou do capitalismo da mais-valia relativa. A força de trabalho que a cooperação complexa revoluciona é a força de trabalho que o capital – por conta da materialidade informacional-digital – necessita incorporar à nova máquina de produção enquanto máquina de produção da subjetividade social (o novo fetichismo social).


A cooperação complexa, tal como a manufatura e a grande indústria, não é apenas um “modelo” de organização da produção de mercadorias, mas sim, um modo de controle estranhado do metabolismo social a partir das condições do capitalismo da Terceira Revolução Tecnológica; ou do capitalismo da Quarta Idade da Máquina.


A cooperação complexa “conclui” o ciclo dialético de evolução da materialidade da produção do capital composto pela tríade: manufatura, grande indústria e cooperação complexa (no plano categorial expressaria a tese- antítese – síntese). É o ápice do movimento da contradição do capital, expresso na forma material, no interior do qual se desenvolve a forma-valor.


A cooperação complexa implica a articulação mais-valia absoluta e mais-valia relativa; a generalização da superexploração do trabalho; o aprofundamento da dependência (reversão neocolonial enquanto novo imperialismo); as novas formas da geopolítica do imperialismo (guerras hibridas e revoluções coloridas); e o incremento da manipulação social por meio do revolucionamento do metabolismo social alterando a relação social homem-Natureza – e por conseguinte homem-homem (o sociometabolismo da barbárie). A cooperação complexa visa reconstituir e reordenar a acumulação do capital nas condições históricas de sua crise estrutural.


A organização da cooperação complexa implica a plena efetividade do "trabalhador coletivo do capital”, tornado possível com a revolução das redes de informação digital que fizeram com que as unidades de capital combinassem máquinas microeletrônicas informacionais em redes de comunicação interativas ou de controle (ciberespaço). O surgimento do capitalismo de plataforma é expressão da cooperação complexa que se caracteriza pela interpenetração das forças produtivas materiais e das forças produtivas cognitivas sociais e humanas.


A cooperação complexa operou a interpenetração do “material” e “não-material” (o informativo/digital/imaterial), amplificando a superexploração do trabalho, um conceito que adquire relevância com a cooperação complexa.


A cooperação é historicamente o “élan vital” da produção de mercadorias e do processo de acumulação capitalista desde que constituiu historicamente o modo de produção capitalista: “A forma de trabalho dentro da qual muitos indivíduos trabalham de modo planejado uns ao lado dos outros e em conjunto, no mesmo processo de produção ou em processos de produção diferentes, porém conexos chama-se cooperação.” (Marx, 1996: p.405) Ou ainda: “A cooperação dos assalariados é um mero efeito do capital que os emprega simultaneamente.” [o grifo é nosso] (Ibidem, p.406-407).


Por meio das tecnologias informacionais, a produção do capital foi incorporada extensa e intensivamente, à totalidade social.


Como salientamos acima, com a cooperação complexa, a categoria do "trabalhador coletivo do capital" adquiriu efetivamente maior concretude. Ela estava posta na manufatura e grande indústria. Mas com a cooperação complexa ela tornou-se mais concreta. As novas tecnologias informacionais permitiram, tal como Marx observou, “que se trabalhe de modo planejado uns ao lado dos outros e em conjunto no mesmo processo de produção ou em processos de produção diferentes, porém conexos” (Ibidem, p.408) – e à distância. Eis o salto qualitativamente novo da cooperação complexa: estar junto à distância. Esta inovação da tecnologia informacional ampliou a capacidade de cooperação do capital, dando maior concreção ao seu trabalhador coletivo.


A cooperação complexa originou-se historicamente das estratégias globais da empresa transnacional com capital concentrado e a internacionalização da produção articulando sua escala de produção em âmbito global. A nova base técnica constituída pela revolução das redes informacionais-digitais, criou formas inéditas de processo de trabalho social combinado ou cooperação.


Foi a formação do capital social global concentrado que permitiu o salto qualitativamente nova da cooperação, repondo num patamar superior, o trabalhador coletivo do capital. Como François Chesnais observou, "O grande aumento da produção no setor manufatureiro e nas atividades concentradas (“industrializadas”) de serviços, bem como a espetacular recuperação da rentabilidade do capital investido nesses setores, devem-se à ação conjunta de fatores tecnológicos e organizacionais".


A transformação informacional-digital envolveu o complexo de fábricas como locis de produção capitalista de mercadorias com alta composição orgânica do capital. O surgimento das plataformas industriais aprofundou a interpenetração informacional-digital do processo de trabalho combinado.


A forma de trabalho concreto que permitiu a cooperação complexa e a constituição do novo trabalhar coletivo do capital foi o trabalho digital [digital labour]. Os novos arranjos da cooperação complexa - como observamos acima - operam novas formas de manipulação ideológica ou "captura" da subjetividade do trabalho pelo capital. A tecnologia informacional-digital do capital contém uma carga de manipulação ideológica necessária para integrar com maior intensidade e amplitude, o “todo orgânico” da produção de mais-valor na era da crise do trabalho abstrato.


A “cooperação complexa” requer um alto grau de habilidades ético-cognitivas (tomada de decisão e escolha). Por esta razão, a implicação subjetiva homem-máquina mudou qualitativamente (o que explica a necessidade de um novo nexo psicofísico na produção de capital).


O ciberespaço como espaço de interação sócio-humana com base técnica (práxis e trabalho) é uma expressão da “complexa cooperação” que se tornou capaz de desenvolver em si, novas formas de virtualização.


O ciberespaço como espaço material do “imaterial”, abre possibilidades objetivas-reais de produção de subjetividade, subjetividade estranha ou não, determinadas pelas relações sociais de produção. O ciberespaço como novo espaço de produção de capital expõe a possibilidade concreta (e apenas a possibilidade concreta) de o homem se tornar polo ativo de um processo de subjetivação que existe no âmbito do “trabalho não-material” (ou imaterial) como “momento predominante”da produção material do capital.


As “máquinas” informacionais, como forças produtivas do capital, constituem a mediação complexa das práticas interativas (e de controle) do trabalho digital. Eles representam a base material da nova hegemonia do capital na produção social. Portanto, a rede informacional é intrinsecamente uma rede de controle do capital, operando formas de "captura" da subjetividade do trabalho e novas formas fetichizadas de subjetividade do capital.


Na era do “capitalismo de plataformas”, as inovações tecnológicas e as inovações organizacionais (formas de gestão) se misturam na constituição do novo trabalhador coletivo do capital. A transformação digital, o trabalho digital e a mercadoria-informação representam a nova forma material complexa dentro da qual o trabalho abstrato e o capital desenvolvem suas contradições vivas em seu estágio de crise estrutural.



Em síntese:


Com a cooperação complexa, é a relação homem-tecnica que se coloca como ponto de partida do revolucionamento do modo de produção capitalista. Na verdade, com a grande indústria, o homem incorporou-se à técnica como tecnologia. É o sentido da "apendicização" do homem como trabalho vivo à maquinaria.


O "pós-humano" e o cyborg são representações ideológicas da era da cooprração complexa.


Trabalho morto subsumiu trabalho vivo. Apesar disso, o operário continua “infelizmente” homem. O homem é extensão problemática do sistema de máquinas. Ele durante o trabalho, pensa. Incapaz de impedir que o homem-apêndice pense, o capital-máquina visa constituir um novo nexo psicofisico e metabolismo social que permita a constituição de homens com pensamentos mais conformistas.


Portanto, com a cooperação complexa, constitui-se o homo tecnologicus (eis o sentido do conceito de ciberhominização utilizado por nós há tempos). Com a cooperação complexa, a forma-manufatura repõe-se no interior do sistema de máquinas. Tal como na manufatura, o ponto de partida do revolucionamento do modo de produção capitalista na cooperação complexa é a força de trabalho. Entretanto, não apenas força de trabalho como mercadoria, mas a força de trabalho-subsumida-ao-sistema-de-máquinas; isto é, trabalho vivo reduzida a força de trabalho nas condições históricas do capitalismo manipulatório.


Deste modo, a cooperação complexa é efetivamente um modo de controle estranhado do metabolismo social. É uma forma de produção social no interior da qual ocorreria o desenvolvimento da produção do capital.


O surgimento da cooperação complexa nos últimos trinta anos de desenvolvimento do capitalismo histórico, decorreu de processos histórico de luta de classes e de mutações técnicas no processo de acumulação capitalista com a III Revolução Industrial e suas revoluções tecnológicas.


A cooperação complexa implica tanto processos históricos de dessubjetivação de classe, quanto processos de desenvolvimento da nova base técnica informacional-digital no capitalismo global. Na medida em que o capitalismo tardio constitui uma nova base técnica para a grande indústria, com o aparecimento da máquina informacional (o que denominamos como “pós-máquina”), põe-se os elementos de “negação” da grande indústria no interior da própria grande indústria;

Com a cooperação complexa, surgiu um novo momento de produção do capital onde se coloca a necessidade candente de revolucionar o metabolismo social da produção do capital, implicando, deste modo, alterar a relação social homem-Natureza, visando reconstitui-la e reordena-la de acordo com a base técnica adequada ao novo patamar de acumulação do capital.


A cooperação complexa repõe a subsunção formal no interior da subsunção real do homem ao capital. Deste modo, a nova base técnica exige um novo metabolismo social capaz de promover um novo patamar de acumulação capitalista sob as condiçõres criticas da crise estrutural do capital.


Se a grande indústria negou o processo de trabalho na medida em que o meio de trabalho tornou-se ferramenta e o homem tornou-se mero apendice da máquina, com a cooperação complexa repõe-se - num plano virtual - a máquina como instrumento e o homem como "vigia" da máquina. Na verdade, tendo em vista que se trata de reposição meramente virtual, isto é, posição de possibilidades contraditórias contidas na nova base técnica, o novo homem que surge como “homem tecnológico”, é um feixe de contradições reais (o virtual é um modo de ser do real efetivamente contraditorio).


Com a cooperação complexa repõe-se o processo de trabalho abolido pela grande indústria. Entretanto, os termos do processo de trabalho (ato teleológico, meio e objeto) que eram postos na manufatura, sofreram alterações qualitativamente novas com a cooperação complexa. Por exemplo, o ato teleológico na cooperação complexa, continua tendo uma teleologia alienada, mas a dimensão manipulatória esvaziou-o do sentido estranhado (é a “consciência feliz” de Herbert Marcuse).


O meio de trabalho na cooperação complexa repõe-se como instrumento e não apenas como ferramenta que desloca o telos do homem (a maquina informacional é a “pós-máquina”); entretanto, ele aparece apenas como instrumento virtual, tendo em vista que o sistema de máquinas-ferramentas continua posto como horizonte teleológico da atividade vital).

É a vigência da cooperação complexa que explica, por exemplo, a presença enquanto momento predominante da reestruturação produtiva do capital, da “captura” da subjetividade do homem-que-trabalha e das novas formas de estranhamento que dilaceram o núcleo humano-genérico. Nesse caso, o capital atinge seu limite radical, isto é, o capital atinge a sua própria raiz, o homem, ou melhor, as relações sociais no sentido da constituição/deformação do sujeito histórico como a pessoa que trabalha.


O toyotismo como ideologia orgânica da produção de mercadorias surgiu no seio da cooperação complexa, na medida em que a “captura” da subjetividade da pessoa que trabalha pelo capital tornou-se seu nexo essencial.


O capitalismo manipulatorio inaugurou a era da cooperação complexa como derivação lógica (e ontológica) da grande indústria.


Ao mesmo tempo, a epidemiologia laboral nas condições históricas da cooperação complexa caracteriza-se pelo predomínio do adoecimento da mente, na medida em que, o que está sob tensão é (como na manufatura) o humano integral. Entretanto, enquanto na manufatura o que está posto é o homem como força de trabalho, na cooperação complexa o que está posto em questão é o homem como trabalho vivo. Assim, opera-se de modo radical, a redução do trabalho vivo a força de trabalho. Deste modo, a redução do trabalho vivo a força de trabalho como mercadoria, um traço do capitalismo moderno, assume dimensões qualitativamente nova.


Ao mesmo tempo, a tensão "trabalho estranhado" versus "lazer" não se põe mais como na grande indústria, tendo em vista que o próprio lazer é erodido tendo em vista que a produção do capital tornou-se totalidade social. O lazer torna-se meramente um momento da subjetivação estranhada do capital que antes só ocorria no tempo de trabalho. Lazer é consumo. Lazer é entretenimento. Na era do hiperconsumismo e dos valores-fetiche, que caracterizam o capitalismo manipulatório, o estranhamento alarga-se para esferas do lazer e consumo.


Portanto, o que se coloca como campo de disputa do capital com a cooperação complexa, é a disputa pela subjetividade no sentido radical. Coloca-se como problemática central do nosso tempo, o problema da praxis humana capaz de fazer história ou ir além da pré-história humana caracterizada pelas sociedades de classes.


O “homem tecnológico” - o humano da Inteligência Artificial - é o homem "rendido" à manipulação/”captura” da subjetividade pelo capital, cuja disputa intima o dilacera (o que explica o surto de adoecimentos mentais no mundo do trabalho e o desenvolvimento do sociometabolismo da barbarie. Instaurou-se, deste modo, a crise da pessoa humana em sua dimensão radical. Coloca-se como questão estratégica da emancipação humana, a centralidade da formação da classe (a classe trabalhadora sumiu!) e a necessidade do controle social.

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